Bendito o tempo que conduz nossa vida, que acrescenta experiência, que nos dá sapiência, que nos oferece a oportunidade de construirmo...

Envelhecer

Bendito o tempo que conduz nossa vida, que acrescenta experiência, que nos dá sapiência, que nos oferece a oportunidade de construirmos nossa identidade, que nos proporciona astúcia para compor uma biografia.

O envelhecimento vem me ensinando a viver plenamente, e a abraçar a vida com sentimentos de amor-próprio. Vejo com clareza meu sentir e o quanto sou corajosa em redesenhar o roteiro da vida. Concluo que a felicidade está em mim. Reconheço minhas imperfeições, meus medos, minha vulnerabilidade, mas sou a dona do meu espaço amoroso e nada abalará essa enorme certeza do quanto minha vida é rara e preciosa. Tento conservar meu próprio tom nesse enredo musicado que vai fortalecendo minha natureza e crescendo como crescem todos os seres vivos.

Praswin Prakashan
Continuo ansiosa por constantes mudanças, é uma característica que tento dominar e me acomodar às situações que estou vivendo, mas vejo que não é tão fácil. Por isso faço de cada dia, um recomeço, procuro coisas novas e diferentes, tentando me adaptar a tudo que recebo. O tempo passa sem que eu o tema. Observo meu envelhecer chegar sem ansiedade, sem angústias. Meu corpo alargou, algumas rugas apareceram, aqui e ali sobram peles, mas me sinto maravilhosamente bem.

Ainda me deslumbro com a vida e a celebro com alegria. Tenho a oportunidade de viver plenamente sozinha comigo mesma e, ao invés de sentir solitária, me conheço cada vez mais e tenho consciência do quanto me basto para ser feliz.

Ao ter meus próprios critérios de escolha, fico contente em construir meu ninho ou a minha casa com objetos reais e significativos. O que coloco em uma estante, tem que ter um sentido além do meramente decorativo. Sinto gratidão pelas maravilhas simples que me rodeiam, a luminosidade do dia, os sons que atordoam, os cheiros cotidianos da casa, as plantas que encantam.

Josh Hild
Meu corpo é só um veículo que uso para me conduzir, para exercitar os sentidos. Não sou vaidosa e não me preocupo em buscar procedimentos que possam mostrar uma jovialidade que o tempo já levou. Para mim, o que vale mesmo, é o mistério que carrego em meus sentimentos, em minhas emoções e principalmente, em minha argúcia.

Por mais que o tempo acelere minha vida, vejo que ainda há muitas histórias que poderei escrever. Quero idealizar o futuro sem, no entanto, me preocupar muito com ele. Quando nos angustiamos demais com o futuro, perdemos de viver o presente e às vezes, deixamos escapar o que é importante, essencial.

Nesta altura da vida, percebo que sou mais intensa em viver a dor do outro, em me comover, em tentar minorar a aflição e isto, preenche profundamente meu sentir. No entanto, a frivolidade de algumas pessoas me espanta, mesmo sabendo que cada um tem uma maneira de encarar e se situar no mundo.

Lays Lugão de Carvalho e Cristina Porcaro Acervo da autora
Quando penso em amizades, amores, me preocupo em não negligenciar de cultivar estas relações afetuosas. Sei o quanto são essenciais e possuem um real significado em minha vida. Cada abraço, cada gesto de carinho vem impregnado de sentimentos que me completam.

Sei que a vida é implacável em seguir seu curso, que os problemas e desafios continuarão surgindo, mas se eu conseguir deixar que prevaleça o bom humor, a alegria e a aconchegante esperança, certamente minha existência será leve e feliz. Segundo Cora Coralina:” O que vale na vida não é o ponto de partida, e sim, a caminhada”.

Acredito que vivenciar perdas e sofrimentos, nos compensa com uma força absoluta, que habita em qualquer pessoa, mas que nem todos a deixam brotar integralmente. Ao ativar esta força, demonstramos o quanto somos plenos, e que nossos horizontes são extensos.

Por mais avanços na ciência, ainda não se descobriu a fórmula para impedir o envelhecimento do corpo. O amadurecimento, que todos vivem para completar o ciclo da vida, é inevitável. Nossa sociedade é cruel em supervalorizar a juventude, em estimular procedimentos para retardar o envelhecimento e com isto, percebemos pessoas frustradas, numa eterna e ilusória busca da fonte da juventude.

Arek Socha
Para mim, o temor é perder a capacidade mental, é perder a alegria e o deslumbramento com o mundo. Quero viver sem me importar com o tempo cronológico, e sim, me guiar por uma cronologia espiritual que só depende da essência do momento que estarei vivendo.

Acredito que viver, é ter a possibilidade de se reinventar, de se reconstruir adequando-se às necessidades presentes. É necessário ter flexibilidade, é desapegar-se do que vai ficando inútil. Do que adianta uma casa cheia de lembranças, entulhada de coisas que foram sendo adquiridas ao longo da vida. A cada ato de desapego, abrimos oportunidade para novas aquisições, ampliamos nossos espaços, temos mais tempo para ser, do que para ter.

A chave do rejuvenescimento está em disponibilizar-se a aprender sempre, a nunca deixar esgotar a curiosidade, a não cultivar a arrogância de detentor de toda a sabedoria do mundo.

Sempre observei o movimento encantador da natureza e ela é meu guia. Fui germinada, cresci, floresci, dei frutos, amadureci minhas folhas e tronco e hoje, sou sombra acolhedora. Isto eu quero que perdure em mim, meus sentimentos de afeto, carinho, de empatia, generosidade e acolhimento com as outras pessoas. Sou preenchida de gratidão pela vida, por ser corajosa, tolerante, por estar sempre inundada de amor. Sei que felicidade é intermitente, que tudo que me acontece faz parte do ciclo da vida e eu aceito isso com humildade.

Que o tempo não me tire a essência, só me deixe envelhecer com sabedoria e em paz.

— Do livro “Tempo de contar telhas" disponível na Amazon

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