O olho no fundo do copo mira a vista e a mente com turbidez. Balança no mar do líquido embriagante, em tom de tango, bem argen...

Embriaguez

vinho embriaguez boemia
O olho no fundo do copo mira a vista e a mente com turbidez. Balança no mar do líquido embriagante, em tom de tango, bem argentino, delicioso, que domina o corpo, feito um poema cantado por Zé Ramalho, um Zeca maranhense ou Alceu pernambucano e todas as suas formas diretas e metáforas para falar do simples e o complexo, do irreal e do concreto.

É a felicidade do abano do rabo do cão que sorri na porta de casa ou na feira livre, como a água límpida de um córrego, que canta por estar feliz, segue suave, fria, sem se preocupar com o adiante, só deseja que o fim, aquele novo recomeço, seja um beijo salgado, um novo abraço.

vinho embriaguez boemia
SplitShire
Na taça, bebida musicalmente servida pela mente brilhante de Chico César, fruto fértil de Catolé do Rocha, fala à alma, ao estômago e aos pelos do corpo. O lago formado pelo copo foi lançado pelo tiro certeiro do olhar e atinge as luzes e cervejas verdes de um santo distante e já tão próximo.

Em breve, o cigarro dará acesso através da fumaça para desbravar fronteiras e experimentar aldeias de puro amor que nunca queima até o último trago, que sempre está aceso no peito. Tudo já combinado, mãos ao alto, brinde e mergulho na piscina de sorrisos em uma cortina de fumaça tornada permanente na memória do coração.

A taça segue meia cheia, meia vazia, totalmente revertida em imagens e sons. E de um novo gole surge seres oceânicos de dentro das cabeças titânicas de cada monstro individual. A melhor forma é a do corredor praieiro ou do levemente embriagado sonhador da tintura do vinho, quando o chão anota todas as escrituras de despojos das guerras diárias ou as poses pequenas e impenetráveis após o suspiro último.

vinho embriaguez boemia
Hermes Rivera-
Nos rótulos, mil procedências, passaportes, identidades... Chile, Portugal, Argentina, Itália... Misturas de teores, histórias, sorrisos e embriaguez. A música segue e sai de tantas vozes, abraços, leituras, ritos. Pelo vinho, a certeza jamais estará 100% certa, apenas altamente provável, até que a concretização seja cimentada e o acreditar total será passado confirmado.

Imunizam as nossas limitantes razoabilidades para fazer crescer todas as probabilidades atonteadas pelo efeito inebriante. O vinho agora é rubro, marcante, feito um X na resposta preferida, pois a certeza é uma incógnita, sempre questionável e há o risco de se seguir irreal. Assim como o céu, que ora é azul, cinza e por tantas vezes negro, a vida balança no veleiro sobre as ondas, levado por gosto de correntes sem elos e ventos alheios. Balança a taça, gira a cabeça, tremula a bandeira durante a invasão embriagante.

De repente, quem sabe, já é hora de abrir uma nova garrafa, confirmar que a safra é de uma boa linhagem e permitir-se penetrar no amargor da uva, aceitar a doçura da alma, seguir a corrente da água agarrado à esperança de que a próxima curva trará sorrisos mesmo turvos. Se vier a suave embriaguez, que beijemos o irmão de alma, sigamos pelo rio de doce caminhada.

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