Em primeiro lugar, porque saber que os açudes estão sangrando é sinônimo de alegria para nós nordestinos.
Sinal de boa colheita, de bênçãos, de bom inverno.
Por mais transtornos que a chuva incessante possa causar, sempre vemos ela com bons olhos.
Claro que de quando em vez fazemos como na canção de Gordurinha, imortalizada por Luiz Gonzaga, pedindo perdão a Deus por ter rezado pra chuva cair sem parar.
Mas chuva incessante na região é raridade, embora desde ontem a noite ela caía sem parar aqui no sertão.
Mas voltando ao termo sangrar.
Ignoro de onde surgiu esse termo para designar os açudes que estão cheios além da conta. Sei que gosto dele!
E mais ainda de ver o Açude Grande sangrando, e as águas deslizando pelo sangradouro nas ruas do centro de Cajazeiras. É nosso marzão de alegria!
Ontem à noite choveu bastante aqui em Cajazeiras, com tudo que tem direito: relâmpago, trovão e água caindo das biqueiras.
Conversávamos, numa roda de amigos, de como o efeito da chuva no sertão é diferente da chuva em outros locais.
Chuva no sertão é bênção, alegria e nunca será sinônimo de transtorno. Em João Pessoa, quando chovia, a gente tinha preguiça de ir trabalhar, sabendo que ia enfrentar os buracos nas ruas cheias de poças de água, afora o trânsito lento.
Daí, lembrei que quando estava em João Pessoa fiz um poema sobre uma chuva que aconteceu lá, com trovões e relâmpagos.
E no poema faço uma comparação entre a chuva no sertão e no litoral. Catucando meus arquivos no computador, consegui encontrar o poema. Segue, enquanto o café ainda vai ser feito e eu vou ali comprar o pão:
os trovões daqui rimbombam diferente
não têm aquele estampido alegre
que ecoa nas ruas do meu sertão
anunciando a boa nova molhada
aqui, o trovejar é mal humorado
(medo de competir com a força do mar)
e esconde os meninos dentro de suas prisões
para não anunciar velhas ilusões
os relâmpagos daqui também são diferentes
o clarão risca o céu em plena madrugada
mas chega iluminado das ranzinzices
de uma gente desacostumada
aos costumes da natureza
parece até
que os relâmpagos e trovões do litoral
não nasceram um para o outro.