Quando me aposentei, em julho do ano passado, depois de 45 anos como professor sempre presente na sala de aula, recebi do governo federal, através de seu aplicativo, um e-mail de duas linhas. Na primeira linha, agradecia os meus préstimos como funcionário público; na segunda, advertia-me para a possibilidade de ter os meus vencimentos bloqueados, se, a cada ano, no mês do meu aniversário, eu não fizesse a famigerada “prova de vida”. Do meu Departamento, na Universidade, onde fui professor por 37 anos, uma palavra sequer foi pronunciada.
Doria Fochi
O caso mais recente, acontecido nos últimos dias, está estampado no noticiário. Em São Paulo, um adolescente, estudante de escola pública, por ter sido vítima de preconceito racial, é o que se alega, esfaqueou professores e alunos, e uma professora veio a falecer. A professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos. Depois do fato consumado, sabe-se o nome da professora, a sua dedicação ao ensino, o seu envolvimento com a ciência. Sabe-se tudo a seu respeito. Quando ela estava viva, era mais uma anônima, sobrecarregada de trabalho, com turmas cheias, com salário irrisório. A quem se queixa de invisibilidade, aí está uma invisibilidade inquestionável.
John McDonald
Como disse no início, sou professor há 45 anos e, embora aposentado, continuo sendo professor. No período de estudante e de professor, já lá se vão quase 60 anos, nunca vi um projeto de Estado para a Educação. Repito: não se trata de um projeto de governo. As ações isoladas podem dar certo, até que entre outro governo que não as leve adiante. Os Cieps de Brizola e de Darcy Ribeiro são a maior prova disso. Um projeto de Estado para a Educação requer a participação de todos – União, Estados e Municípios –, além do engajamento da sociedade civil e, óbvio, dos pais. Projeto que seja cláusula pétrea na Constituição.
O que consigo distinguir com clareza, no entanto, desde o início da minha profissão em 1976, é a gradual degradação do ensino público, na sua infraestrutura, no aviltamento do salário do professor, na ausência de uma consciência de um ensino técnico que atue paralelamente ao ensino tido como convencional,
Ben McDade
O que aconteceu na escola de São Paulo não é fruto de um momento isolado. Quem pensa assim está apenas dando vazão a uma frustração ativista que existe dentro de si. O ocorrido é estrutural. Vem acontecendo há muito, apenas, atualmente, as informações com detalhes estão mais rápidas, inclusive com as indefectíveis filmagens de alguém que poderia ter feito alguma intervenção, mas estava morbidamente ocupado, filmando para postar nas redes sociais. A questão, meus amigos, repito, é estrutural. Com um projeto exequível de Educação, ao menos poderíamos dizer que o agressor tinha uma opção, que o seu ato não foi fruto apenas de uma resposta a um possível insulto. Esta é uma das utilidades da Educação, provocar a nossa reflexão sobre quem somos e que respostas e contrapartidas devemos dar à sociedade.
Sem Educação consistentemente estruturada, continuaremos a lamentar, a prestar a solidariedade fácil das redes sociais e... nada mais. Depois de alguns dias de postagens e de reportagens, o mais das vezes com intuito sensacionalista, o fato será esquecido, a professora Elisabeth Tenreiro voltará a ser invisível e, lamentavelmente, se tornará mais uma estatística da nossa trágica situação social. Sim, trágica, no sentido grego, inclusive, pois sabemos o que fazer e decidimos sempre pelo que não devemos fazer.