Lembro-me de Chico Belmiro, frequentador de uma roda de amadurecidos, para não falar em velhos, sob as frondes convidativas das folhas da Praça Venâncio Neiva a esparramarem tranquilas sombras e frescas brisas vesperais. Reuniam-se pelos puxares dos entardeceres medianos, enquanto se anunciava a chegada da noite com os primeiros frequentadores do Pavilhão do Chá, tomando assento e pedindo a primeira cerveja geladinha.
Seu Belmiro ficava a esperar os amigos das saborosas conversas, o mote para desencadear as suas opiniões. A voz golfava, arremesso de paixões pelos assuntos da Política ambiente, tupiniquim, expelindo em toques guturais de assovios, as suas indignações e suas convicções. Usava um chapéu panamá para proteger os defluxos que lhe atormentavam. Era rouco por natureza, dizia ele, desde quando começara a falar. Nenhum médico aplicara algum remédio eficaz, chegando eles à conclusão de que tudo era herança de algum antepassado padecente do mesmo desvio.
Chico Belmiro era um líder: destratava o governador que àquelas horas mortiças, vividas numa cidade provinciana, uma capital das acácias mansa, dava expediente, assinando papéis e recebendo figuras proeminentes. Belmiro apontava o dedo indicador acusatório para o Palácio da Redenção, espécie de desafio inócuo, porém satisfatório à sua ousadia. Quero ver quem vem me prender.
E dava uma gaitada repuxada, tocando os ombros esqueléticos de Abdias que fazia apenas escutar e aceitar tudo que se comentava.
Seu Belmiro era pessedista de alma e coração, juscelinista, defensor da novacap (Brasília), mesmo que alguns discordassem, achando supérflua a transferência da capital brasileira do Rio de Janeiro para o inóspito planalto central e defendia, vermelho de entusiasmo, a chegada da Alvorada ao gigante adormecido, fazia de Juscelino Kubitschek de Oliveira o salvador, o empreendedor, o messiânico presidente bossa nova.
Tempos bons. Discutiam-se vezes e revezes políticos, mesmo com a sanha do fanatismo, nas ágoras, nos recantos públicos, no Ponto Cem Réis, entre um cafezinho e outro. Havia uma intimidade e interesse pelos que geriam ou eram candidatos a cargos, traziam-nos às rodas populares. Uma avaliação espontânea dos méritos e deméritos de cada aspirante, sem baixar o nível dos diálogos, esquadrinhando suas vidas particulares, picuinhas desabonadoras, procurando, dentro de um senso de responsabilidade e de respeito, salvo exceções raríssimas, manter o discutido a salvo de acusações levianas.
Os anos chamados de eleição eram de festejos dentro de rodas de democratas discussões. Chico Belmiro e seus amigos amparados pelas folhas extensas das árvores da Venâncio Neiva, este primeiro presidente da Paraíba, após a proclamação da República. Bons tempos em que soprava o espírito de cidadania e bem comum. E afastava o calor dos impropérios. A desavença ou baixo nível cortavam caminho nas conversas das tardes com Chico Belmiro.