O antigo significado do coração e o contexto humanístico da medicina, sob à luz e a ótica do grande médico goiano e insigne mestre da cardiologia brasileira, o prof. Celmo Celeno Porto (ainda vivo), — que tenho a honra de conhecer e privar de sua amizade, advinda do meu saudoso e ilustre pai —, estão em seu livro “Doenças do coração: prevenção e tratamento”,um verdadeiro libelo no que se refere à abordagem humanista do médico e da medicina.
O autor defende que a compreensão do paciente como ser humano, inserido em determinadas circunstâncias socioculturais, fornece ao médico uma visão mais abrangente de sua própria atividade. Ele acredita que “a medicina moderna não pode ser reduzida a uma profissão técnica”.
O texto referido mostra como diferentes civilizações e culturas, em diversos períodos da história, dotaram o coração de significados que transcendem o papel anatômico do órgão propulsor da circulação sanguínea.
Dentro da proposta do doutor Celmo, mas nos restringindo aos significados simbólicos do coração dentro do universo literário, tentaremos aqui mostrar como alguns escritores e poetas fizeram interessantes menções àquele que provavelmente é o órgão humano mais aludido e metaforizado pela literatura.
O pernambucano Manuel Bandeira, por exemplo, compara diretamente a cadência e a vivacidade do seu verbo ao fluir do sangue e ao batimento no coração – o ritmo interno do poema é marcado como os batimentos cardíacos:
meu verso é sangue, volúpia ardente
tristeza esparsa ... remorso vão ...
doe-me nas veias, amargo e quente
cai,gota a gota do coração.
João Cabral de Melo Neto, outro pernambucano, porém, poeta de diferente temperamento, compara o poema O relógio ao coração “como uma máquina interior”. De dentro do homem, possuidora de uma vontade própria, uma bomba motor, Guimarães Rosa médico, escritor e diplomata mineiro, também vaticinou ricos trechos metafóricos com o coração em sua vasta obra literária: “coração de gente, o escuro, escuros" (sertão e veredas). Ainda G. Rosa:
“o coração cresce de todo lado,
vive feito riacho colombiano,
por entre serras e varjas,
matas e campinas.
Coração mistura amores.
Tudo cabe “.
Rosa se refere à velha analogia e a faculdade de amar.
Como epílogo das linhas em que, mais uma vez, procuramos enaltecer e exaltar o contexto humanístico da medicina, finalizamos dizendo que todos esses usos e analogias, que são muitas, acabam tornando-a mais eficiente para sua tarefa de revitalizar a cultura, recolher os milhares de nutrientes que o ictus-cordis pode oferecer para experiências individuais e enriquecê-las de inteligência, profundidade e saber.