Às vezes acho que a mãe de Kafka era uma barata. Que Machado de Assis era o alter ego de Dom Casmurro. Que Jorge Amado s...

Às vezes, acho que Drummond dormia numa pedra

literatura poesia paraibana linaldo guedes
 
 
 
Às vezes acho que a mãe de Kafka era uma barata. Que Machado de Assis era o alter ego de Dom Casmurro. Que Jorge Amado sonhava em ser Nassib. Que Júlio Verne se afogou nas milhas submarinas. Que Cortázar jogava amarelinha. Que Adélia Prado só viajava sem bagagem. Que Garcia Marques era um solitário. Que José de Alencar viveu com Ceci. Que Sartre não foi existencialista. Que Rachel de Queiroz serviu no Quinze de Cruz das Armas. Que, antropofagicamente, Oswald comeu ele mesmo. Que Drummond dormia numa pedra. Que Clarice vive dentro do meu coração selvagem. Que Borges era rato de biblioteca. Que Saramago ensaiou nossa cegueira. Que Shakespeare conheceu Hamlet. E que Augusto dos Anjos nos fez profundissimamente hipocondríaco.
Quase vivos
há, entre nós, os mesmos cadáveres: eles foram cavados para os negros sacrificados como carneiros em feiras livres, em sujas senzalas nossos cadáveres fedem como todos os mortos como os índios dizimados pelos portugueses em aldeias que hoje são apenas vitrines para turistas, para os mecenas do capital nossos cadáveres morreram nas secas nos flagelos, nos sertões deles deles mesmos, os coronéis eles que cortam os dedos e levam os anéis nossos cadáveres tentaram atravessar os anos 60 na paz, no amor mas foram torturados nas prisões no submundo da nossa política imunda nossos cadáveres chegaram ao século vinte e um recebendo golpe atrás de golpe de bastardos vestidos de amarelos, de bastardos furtando nosso amarelo, sendo patos em nossa chacina diária nossos cadáveres existem porque foram criados por eles. cabe apenas a nós enterrá-los
Pagã
é como dormir deitado em teus cabelos de fogo navalha que fere minha zona de conforto novilha que não domo nem morto ali, entre teus cabelos, relva vermelha que me deixou fora de outros pelos, entendo porque adão é que saiu da costela de Eva: ele só sabe viver das migalhas do paganismo espiritual de sua majestade.
Os rivais
(para Thamara Duarte) um gato bagunça o telhado à espreita, arisco: cisco no olho dos humanos um gato azunha o sofá rasga risca : arrisca a superioridade humana um gato dorme no chão bonachão sabichão - comichão na preguiça do homem.

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