No início de janeiro de 1960, meu pai me presenteou com uma viagem ao Rio de Janeiro, para passar 45 dias na casa de minha tia, Waldina Mendonça Barbosa. Viajei pela primeira vez de avião pela saudosa Panair do Brasil um pouco antes de completar dezesseis anos. A empresa foi uma das companhias aéreas pioneiras do Brasil. O Voo Panair do Brasil 026 era uma linha aérea que ligava a América do Sul à Europa por meio da aeronave Douglas DC-7. A linha aérea tinha seus terminais em Buenos Aires e Londres, sendo realizadas escalas no Rio de Janeiro, Lisboa e Paris. Creio que meu voo foi realizado em uma aeronave Constellation que era o avião da Panair que realizava as rotas nacionais.
O marido de minha tia era o jornalista Órris Fernandes Barbosa, autor do livro “Secca de 32 – Impressões sobre a crise nordestina”, encarregado de documentar a viagem que foi efetuada por Getúlio Vargas, em caravana para conhecer o Nordeste, já em campanha para a presidência, em companhia do major Juarez Távora e José Américo na Paraíba, no início do segundo semestre de 1933.
Tive a oportunidade de jogar voleibol diariamente no Fluminense (meu tio Órris era sócio). Saía do apartamento de minha tia, apanhava um bonde (o bilhete custava Cr$ 3,00) e chegava até o bairro das Laranjeiras onde se localizava aquele sodalício. Na época já era atleta de voleibol e fui convidado a jogar por esse famoso clube, conhecido como pó de arroz (em razão da cultura aristocrática do Fluminense, pessoas negras tinham dificuldades em serem contratadas pelo clube).
Tinha três tios morando no Rio de Janeiro e por isso, tenho certeza de que o meu pai me teria autorizado a mudar-me para lá. Estava encantado com a Cidade Maravilhosa, mas não tive coragem de pedir-lhe tal coisa. Fiquei com medo de me desviar dos estudos devido à facilidade de diversão na cidade, além de afastar-me da família. Posteriormente cheguei a ser titular da seleção paraibana de voleibol passando pelas fases juvenil, adulta e universitária no período de sete anos até minha formatura em 1967.
Outro fato marcante daquelas férias no Rio de Janeiro foi a minha participação em um baile de gala num dos salões muito bonitos do Fluminense, no bairro das Laranjeiras, que ainda se mantêm muito bem conservados. Este baile marcou o encerramento do curso ginasial (hoje curso fundamental) de Vânia Costa Carvalho, amiga de infância das primas Zélia e Marília Mendonça Barbosa. Ela era muito ligada a Marília. Por isso, também fui convidado para essa comemoração A orquestra era uma das mais famosas da época, a coqueluche do momento, Waldir Calmon, que acabara de lançar seu famoso long-play “Uma Noite no Arpège”.
Fui com um smoking emprestado de Antônio Guedes Barbosa, primo legítimo das minhas primas, e apenas dois meses mais velho que eu. Tinha corpo aproximado do meu, sendo mais gordo, de pescoço menor e mesma altura. O traje caiu muito bem em mim, à exceção do pescoço, pois o meu era mais comprido e fino. Na festa, seria o par de Vânia, recordou-me a prima Zélia. Noite que passaria em preocupação constante, ao dançar. Puxava o colarinho para trás, surgia grande folga. Tentei puxá-lo para frente, a folga ressurgia maior. A despeito desse pequeno detalhe, a festa desenvolveu-se de forma sensacional, principalmente para um jovem de apenas dezesseis anos, que vinha tendo o prazer de desfrutar intensamente da Capital do País, numa convivência por 45 dias com tios e primos maravilhosos.
Para quem não sabe, Antônio Guedes Barbosa nasceu em João Pessoa e já havia estreado com apenas 13 anos como solista da Orquestra Sinfônica Brasileira. Posteriormente seria um pianista famoso, de renome internacional.
Chegou a ser indicado por Claudio Arrau, como um dos maiores pianistas do mundo de sua geração, na companhia de Martha Argerich, Daniel Barenboim, Krystian Zimerman e Garrick Ohlson.
Passou a residir em Nova York desde 1970. Gravou uma importante discografia nos Estados Unidos, lançada ainda em vários países, com destaque para as obras de Chopin, embora também tenha gravado Villa Lobos, Schubert, Liszt e Almeida Prado. A revista American Record Guide, especializada em música clássica, por meio de um conjunto de críticos no ano de 1992, classificou suas interpretações de Chopin entre as melhores do mundo.
O produtor de Vladimir Horowitz (pianista russo-americano e considerado um dos mais brilhantes pianistas de todos os tempos), Thomas Frost, foi quem produziu a segunda versão de Antonio Guedes Barbosa para as 51 Mazurcas de Chopin. Em carta ao crítico Allan Kozin do New York Times, Thomas Frost qualificou-as como “consideravelmente mais poéticas que as do pianista, compositor e maestro russo Anton Grigorevich Rubinstein”.
Estava em São Paulo, quando sofreu um infarto fulminante, em 1993, falecendo inesperadamente com apenas 50 anos de idade.
Agora é só clicar neste link para ter uma ideia da genialidade de Antônio Guedes Barbosa e escutar “Chopin - Sonata No. 3Op. 58”, com duração de 23 minutos.