Um bem-te-vi equilibrado na fiação canta descontraidamente exibindo sua camiseta cuja frente é amarela. Em seguida, voa para um galho próximo e depois para o próprio ninho não muito longe dali. Caso queira, poderá prosseguir no voo ou buscar alimento na grama da praça, nos galhos das árvores. A pequena ave exibe a essência do que é liberdade. É como a mão do escritor passeando pela folha em branco, preenchendo com a tinta espaços antes desertos, que se tornam oásis, viram florestas de significados em frases, textos, tratados. A liberdade do escriba é dimensionalmente idêntica a do leitor, do ser que consegue enxergar sentido na união das letras, que possui o poder de interpretação. É mais um voo livre.
Ser livre é também estar atado à responsabilidade do uso do existir sem grades. Se não valoriza o poder de voar, o pássaro é um vazio. Ao contrário, a ave sábia é um ser libertária. E mesmo quando o sábio está entre grades é possível manter a liberdade. Os inimigos jamais conseguiram tirar o livre pensar das mentes e dos corações de Mandela e Gandhi, mesmo quando prenderam seus corpos físicos. Eles jamais se deixaram podar da liberdade de pensamentos. E através de gestos de paz continuaram livres até serem soltos das celas onde se encontraram encarcerados.
A liberdade está nos pés da criança descalça que corre nos parques em um momento de diversão. É o mergulho no rio do moleque após um salto mortal duplo e o toque do corpo na d´água. Sim, a liberdade está no vento no rosto à beira-mar que antecede a chuvarada. Ou na escalada da montanha mais íngreme que desafia a gravidade em vários trechos. Tanto faz se está entre quatro paredes, mas o interior da cabeça enxerga mais distante. Além de livre, o ato libertário traduz e maximiza o conceito de felicidade naquele instante.
Soltar no ar uma nota musical ou uma bolha de sabão é experimentar a libertação no mundo. Assim como é livre a viagem pela canção ou o sorriso infantil de qualquer pessoa no viajar plácido do transparente, colorido e leve invólucro de ar: sabão e água em magia. A sensação de ocupar espaços de inesgotáveis alegrias é o experimento do voo livre. É igual ao gosto de provar o melhor chocolate que se desmancha na boca, o salivar antes mesmo de tocá-lo com os lábios. Livre imaginação do sabor.
A liberdade do banho da cachoeira que desliza por pedras e paredões e banha o corpo como uma carícia infantil. Como a criança a correr para o pai ou a mãe sem titubear, mesmo com passos indefinidos, mas com a certeza de que encontrará o porto seguro. É tempero mais saboroso e o vinho mais inebriante. É compartilhar o bom e abraçar a própria essência. É provar do banco da praça, sentir a quentura matinal do sol, degustar o doce do corpo amado. A soltura da alma nas páginas de um livro e um salto desmedido nos braços da pessoa amada são atos liberatórios.
Liberdade é a água da corredeira que segue inabalável até encontrar-se com o líquido sal do mar. É a maré com seus imperturbáveis altos e baixos. Ser livre é poder qualquer coisa e decidir coisa qualquer. Do alto do fio elétrico, sem choque, é cantar uma canção antes do voo livre e bem ver o mundo.