No tempo das marmotas circulando pelo Ponto Cem Réis nas manhãs de domingo de Carnaval, havia a espontaneidade marcando o ponto e o pas...

Sempre é carnaval

carnaval folia paraiba joao pessoa
No tempo das marmotas circulando pelo Ponto Cem Réis nas manhãs de domingo de Carnaval, havia a espontaneidade marcando o ponto e o passo. E o aguaceiro sacudido mesmo em quem era alérgico à folia. Saíam impropérios e as risadas ecoavam na matinal da irreverência. Faziam mingau de farinha de trigo e sacudiam nas cabeças bem penteadas; papa nos festejos momescos: um mingau improvisado na brincadeira que durava até o meio do dia com entrada na tarde.

Havia os xurumbas ou marmotas: gente vestida em trajes risíveis, homens em vestidos, mulheres em paletós. Um gozo. Pois bem, num desses dias, os três resolveram se paramentar heréticos, usando roupas femininas das mães, irmãs e primas.
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Fonte: Buzzfeed
Moravam no final da rua da República; pegaram o beco, subiram a ladeira, dobraram ao lado da Praça Venâncio Neiva, sempre encontrando outros pares, e resolveram visitar uma parenta considerada virtuosa (mulher solitária, que, a cada carnaval, fazia lá seu retiro ímpar com os olhos rasgados nas rezas escritas, pedindo pela salvação das almas que se desmantelavam naquela imunda brincadeira).

No cardápio da observação do sacrifício particular entravam pesados jejuns, inclusive a pão e água. O trio se aboletou no terraço. Silêncio: queriam que a dona da casa viesse e se extasiasse surpresa. Veio e ficou atônita, a mão tapando a boca, a segurar o suspiro do encontro inesperado. Quem seriam? As máscaras bem arranjadas escondiam a identidade dos três.

Mudos, olhavam o jeito de escandalizada da mulher beatíssima. Antes houvesse (talvez pensasse) ido ao retiro do Dom Adauto, conforme fora convidada. Não abriu a porta, entrou e os fantasiados seguiram rumo às Trincheiras. Ao chegarem próximos à balaustrada, o atrapalho. Um carro da Polícia Militar os deteve. Vieram com jeito de amigos; pediram que os três rapazolas despissem as caras. Alegavam a ocorrência de crime e estavam procurando o autor que, diziam, era um grupo de falsos foliões.

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Fonte: Universo Retro
Que fazer? Entregaram as máscaras, logo pisoteadas pelos militares. Desanimados, sem outra alternativa, se impacientavam em retornar pelo mesmo caminho sem os disfarces. E teriam que passar, inevitavelmente, pela calçada da parenta religiosa. Um deles teve ótima ideia: desceriam a balaustrada, embora íngreme, invadiriam um caminho estreito que os levaria às proximidades da fábrica Matarazzo, por onde se evadiriam até à casa de onde saíram à aventura carnavalesca.

Assim o fizeram. Em saias estampadas, torços, pulseiras, sapatos femininos, pela vereda que os salvara do ridículo. Chegamos arfantes e temerosos. Éramos adolescentes. Sacudi o saiote de mamãe e a olhei: ela deu uma gargalhada. Bem que nos havia advertido do perigo em percorrer trilhas arriscadas. Riu de chorar. No rádio tocava a marchinha. Caímos no passo. Para relaxar.

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