Andrezinho era um sujeito namorador. Bem ajeitado, bonito até, diríamos. Família de classe média que o provia do necessário, nos limites do que chamamos de uma vida com dignidade. Nada lhe faltava, nada lhe sobrava. Tinha ele 17 anos quando se deu o ocorrido.
Já, Carminha, era toda boniteza. Mesma idade de André. Linda, linda. Filha de Dona Guiomar que era um doce de pessoa. Carminha puxara a ela na delicadeza e nos olhos que pareciam dois pedacinhos do céu. Já o pai, Seu Nicanor, era todo brabeza. Agora imaginem, que além de bravo era grande. E foi justamente nessa lagoa que Andrezinho resolveu pescar seu lambari, se é que estão me entendendo. Resolveu namorar Carminha.
No tempo do ocorrido, começo dos anos 60 do século passado, namoro não era essa esculhambação que é hoje. Era coisa organizada, de respeito. Seguia-se todo um protocolo. Tinha-se que pedir a moça em namoro. Normalmente ela pleiteava uns dias para pensar, para mostrar que não era “moça fácil”. Aceita a solicitação, o Romeu tinha em seguida, que pedir autorização dos pais de sua Julieta. Este, o pai, antes de fazer a concessão investigava a vida do pretendente. Cumpridas essas etapas era a hora da entrevista com o atrevido. Terminada a audiência e se concedida a permissão, estipulavam-se as regras. Era assim mesmo, uma dificuldade danada.
Andrezinho, muito senhor de si, apresentou sua candidatura. Primeiro o flerte na escola, troca de bilhetinhos, até que num domingo chegou junto de Carminha na saída do cinema.
— Posso falar um instantinho com você?
— Pode sim.
— Mas tem que ser em particular.
Carminha pediu licença às amigas e se afastou.
— Quero saber se você aceita namorar comigo.
— Ah, vou pensar. Domingo na saída do cinema eu respondo.
No domingo seguinte, na saída do cinema, Carminha disse que sim. Começaram a namorar. Escondido ainda, sem a autorização de Seu Nicanor e de Dona Guiomar. Isso durou umas duas semanas. Saiam do colégio de mãos dadas e com muito cuidado para não serem surpreendidos. Depois disso André resolveu enfrentar o homenzarrão.
Inicialmente Carminha teve que dar início ao processo.
— Mãe, tô namorando. É o André. A senhora não conhece. Faz o Científico lá na escola (Carminha fazia o Normal). Queria que a senhora falasse pro pai - Dona Guiomar não perdeu tempo.
— Ni, vem cá que eu tenho uma novidade - Ni foi – Carminha tá namorando.
Seu Nicanor fez cara de poucos amigos, mas conjecturou que um dia isso teria que acontecer, então que fosse assim, como manda o figurino: tudo às claras. E mandou chamar André.
Mas não é que foi com a cara do rapaz?! André falante, cheio de planos para o futuro, queria ser engenheiro, estava estudando para entrar no ITA, etc, etc, etc... Mas o “sogrão” fez a advertência:
— Vou dar minha permissão. Namoro só domingo. Depois do cinema direto pra casa. E se quiser namorar mais um pouquinho tem que ser aqui na varanda. Quero respeito com minha filha.
E assim aconteceu durante um tempo. Mas os hormônios estavam pululando naqueles dois. E numa noite, na varanda, Carminha quis dar um arrocho mais apertado em André e veio com essa:
— Pai, André não tá passando bem. Posso levar ele à cozinha e fazer um chá? – Seu Nicanor consentiu. Continuou no quarto. Dona Guiomar já dormia.
Mas o pai era desconfiado e percebeu que aquele chá estava demorando muito e resolveu dar uma espiada. Ao chegar à cozinha o que ele vê? André e Carminha na maior safadeza. Pegou a maior faca que encontrou e chegou junto do rapaz:
— Então o senhor está precisando de um chá, não é? – e apontando a faca para o pobre.
– Carminha, põe água no fogo e faz um bule de chá-mate pra esse safado – Carminha fez e assim que esfriou um pouquinho ele deu a ordem – beba esse bule todinho, seu safado, ou corto seu bucho com esta faca!
André, se borrando de medo, xícara após xícara bebeu o bule inteirinho. Seu Nicanor ainda de faca na mão deu outra ordem:
— Carminha põe água no fogo e faz outro bule de chá. De camomila pra esse sem-vergonha aprender a ter respeito.
Naquela noite André quase morreu de tanto beber chá: erva-cidreira, hortelã, baunilha, capim-santo, erva-doce, boldo e mais uns que não lembro. Quando viu que o coitado estava empanturrado, Seu Nicanor parou com a tortura, pediu que ele fosse embora e nunca mais chegasse perto de Carminha. André foi para casa vomitando pelo caminho. Chegou branco como um defunto. A mãe ao vê-lo naquele estado deplorável, toda carinhosa ainda disse:
— Tá passando mal, meu filho? Senta aqui no sofá que mamãe vai fazer um chá pra você.