Não lembro bem o que ouvia na primeira infância, mas sempre gostei de música. A vaga lembrança que trago é que os rádios da época tocav...

Música

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Não lembro bem o que ouvia na primeira infância, mas sempre gostei de música. A vaga lembrança que trago é que os rádios da época tocavam muita canção melodramática, deprimente, pelo menos para o espírito delicado de uma criança. Coisas pesadas do gênero “Tornei-me um ébrio” de Vicente Celestino , que – imagino hoje — era herança da melancolia portuguesa.

Até as marchinhas de carnaval de antigamente eram deprimentes. Uma começava assim: “A vida é triste, seu moço / cheia de dissabores / caminho feito de espinhos / às vezes coberto de flores...”. Ainda bem que, mais adiante, as nossas marchinhas carnavalescas ficariam mais
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Jackson do Pandeiro ▪ 1919—1982
animadas e apimentadas, algumas cheias de subterfúgios maliciosos.

Mas, os sons da minha infância foram Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, que ouvia nos rádios de toda parte, e uma ocasião especial era quando ia à minha Santa Rita natal, de férias, para a casa de minha irmã mais velha, Tóia, e seu esposo, Macio, os quais colecionavam os discos desses cantores, que meu cunhado punha a tocar às alturas.

Em casa ouvia, como todo mundo, no rádio ou alhures, as muitas canções românticas da época – umas alegres, com suas declarações de amor, outras nem tanto, com suas dores de cotovelo – que Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Dolores Duran, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba, Anísio Silva e tantos outros interpretavam com força dramática.

Na época, era comum que os bairros tivessem as suas amplificadoras, e Jaguaribe tinha a sua, mantida pelo grande “Cachimbo Eterno” – apelido indesejado do respeitável cidadão Antônio Leite, morador na Av. Primeiro de Maio, quase defronte à nossa modesta residência. A amplificadora era um pequeno estúdio caseiro, provido de um alto-falante de relativo alcance. Um hábito da época era o oferecimento de uma “singela página musical”
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S.Teiwaz
a um “alguém”, da parte de algum apaixonado que não queria se identificar, embora, nas redondezas, todos soubessem quem era quem.

Apreciei essas músicas de corpo e alma e, com certeza, também influíram no meu gosto. A curtição aumentou a partir do dia em que um dos meus irmãos comprou uma “radiola”, e então, pudemos auspiciar o que se chamava na época de “assustado” – uma festinha caseira para os amigos e amigas, com comidinhas, refrigerantes e muita dança a dois. Nessas ocasiões, o quente era o bolero, ritmo que unia os corpos dos casais que estavam a fim.

Segui ouvindo tudo isso sem notar que o tempo passava e, quando me dei conta, estava dentro da bossa nova. Era a época do governo simpático de Juscelino Kubitschek, que, como vocês lembram, coincidiu com um bocado de coisa boa no país, e fez do comecinho da década de sessenta um tempo de franco otimismo. Eu, pessoalmente curti um bocado a nova batida da bossa nova, com suas letras bonitinhas, cheias de sol, mar e barquinhos.

Foi nesse mesmo tempo que a música de fora aportou com força por aqui e misturou-se com a nossa. De minha parte, eu já prestava atenção a The Platters, Pat Boone, Nat King Cole, mas houve os mais barulhentos, como Elvis Presley, Neil Sedaka, Chubby Checker e tantos outros.


Claro que o advento dos Beatles foi – no bom sentido - um choque, mas, na verdade, toda a década de sessenta foi, para o bem ou para o mal, um espaço aberto à música internacional. De repente, ingleses, americanos, franceses, italianos... tocavam e cantavam para a gente com a mesma assiduidade dos nossos cantores e compositores, da Jovem Guarda aos despontados pelos festivais, como Chico, Gil, Caetano, Vandré etc. Sim, era música de todos os estilos, pra todos os gostos. Talvez os especialistas no assunto me contradigam, mas, não sei se houve no século XX, uma década mais musical que os anos sessenta.

No meu caso – e no de muitos outros – a isso tudo ainda se somava a chamada “música de cinema” que, quando era boa mesmo, ultrapassava os filmes, chegando antes deles e perdurando depois deles. A serem dados, os exemplos seriam inúmeros, mas, de passagem, lembro só o precioso LP de “Amor sublime amor”...


As décadas seguintes – setenta (de Raul Seixas a Elton John, por exemplo) e oitenta (de Zé Ramalho ao Dire Straits, por exemplo) também tiveram, pra mim, seu charme próprio, porém, com o advento do novo milênio, a qualidade musical me parece ter sofrido uma queda vertiginosa, aqui e, tudo indica, no mundo inteiro. Ou sou eu que estou desatualizado? Ou inadaptado?

Só sei dizer que para quem – em termos musicais - conheceu o que minha geração conheceu, a situação atual soa como alarmante, e, a julgar pelo que chega aos meus ouvidos, adquire, por vezes, conotações de pesadelo.

De modo que, quando o pesadelo me sufoca, corro lá pra trás, e vou escutar os deliciosos dramas amorosos de Lupicínio Rodrigues. Ah, que alívio!

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