Um pouco mais de tempo e João Pessoa chegará a tal patamar de população, inevitavelmente. Mesmo as projeções mais pessimistas indicam que isto poderá ocorrer até 2030.
— O que esta dimensão representa? — Um alerta! — Uma luz amarela que se acende para lembrar que é hora de voltar olhares para prospecções em torno das dificuldades e necessidades que esta “vecchia signora”, hoje transformada, expandida e conurbada (com Cabedelo, Santa Rita, Bayeux e Conde) deverá enfrentar no seu porvir, dado que juntas já formam aglomerado urbano único.
Imagens áereas do centro histórico de João Pessoa em 1934 ▪ Fonte: Escola de Aviação Militar
Até o final da década de 1950, o que foi a pequena e pacata cidade-capital está bem registrado conforme exuberante memória fotográfica existente; por agradável sentimento de nostalgia sempre redivivo em torno das coisas da cidade; pela rica memória oral transmitida pelos mais idosos; pela abundância de estudos (compreendendo teses, dissertações, monografias, trabalhos técnicos, documentários e vídeos) que demarcam e enriquecem o que tem sido seu ingresso na modernidade que se conhece.A antiga cidade curvou-se ao crescimento e ao progresso. Verticalizou-se e horizontalizou-se em proporções avantajadas. Grande parte do casario “foi ao chão”, mas o que está mantido se constitui referência impar para contar a sua história e atiçar o imaginário dos seus habitantes mais conservadores.
Nos últimos anos, estimulado por atividades que se concretizam no âmbito do Grupo Mirabeau Dias de Estudos e Debates, do qual participo, tenho me dedicado de forma espontânea e produtiva a pensar a cidade enquanto ente físico, político e interacional complexo, sujeito a ciclos e processos positivos e negativos que se refletem sobre evolução urbana.
Tenho também procurado me acostar a uma visão mais sociológica em que expansão urbana e demográfica é questão basal e cidade se caracteriza como lugar do trabalho, da produção e reprodução do capital, dos espaços de lazer, dos diferentes tipos de entretenimento, das vias de circulação e de outras infraestruturas, e como tudo isso se inter-relaciona no território urbano.
Em verdadeira imersão, tenho buscado como referência, e até como laboratório, a história urbana de João Pessoa, uma das mais antigas cidades do País, fundada pela Coroa Portuguesa há mais de quatro séculos (1585), ao impulso das Grandes Navegações empreendidas por impérios europeus, nos séculos XV e XVI, em busca de novas riquezas, além mar.
Como recurso metodológico, tenho optado pelo entendimento de que somente pelo conhecimento aprofundado e pela pesquisa é que vamos encontrar os argumentos e contextos que elucidam percursos e singularidades desta “invenção” milenar que é a cidade. Esta, a meu ver, deve ser percebida, como organismo resiliente, de construção física e antrópica, moldada por interações e por sua história.
Com base nisto, a preocupação com seu crescimento, desenvolvimento, problemas que lhe são inerentes, forças que a impulsionam e soluções que são buscadas, devem fazer dela objeto de atenção constante, com vistas à sua qualidade e disponibilidade para a satisfação das demandas da população e das atividades, qualquer que seja o lugar, região, país ou continente em que se situe, ou que tamanho apresente.
Entre 1585 e 1822, o território paraibano foi objeto de disputas internacionais e palco de sucessivas vinculações a jurisdições estrangeiras. Por esta razão, João Pessoa recebeu diferentes denominações, tendo sido portuguesa, espanhola, holandesa e portuguesa, antes de ser definitivamente brasileira.
Em seus três primeiros séculos, esta cidade de tantas designações teve crescimento populacional considerado lento. Só a partir da segunda metade do século XX, ao impulso de pequeno surto industrial e do desenvolvimento da educação, e dos negócios imobiliários, a população de João Pessoa passou a crescer, estimando-se que em poucos anos estará compondo o restrito grupo das aglomerações de 1.000.000 de habitantes.
— Restrito por que razão? — Porque o País conta com 5.568 cidades /municípios compreendidos por cinco Grandes Regiões Geográficas (IBGE) marcadas por desigualdades econômicas, socioespaciais e demográficas, inter e intrarregionais, de matrizes seculares, raízes profundas e difíceis de serem corrigidas, uma vez que se fortaleceram ao longo de séculos por visão centrista, concentradora e que não se serviu, de forma eficaz, de planejamento como instrumento de governança, visando ao equilíbrio socioeconômico e sócio-demográfico.
Certo que Salvador, Belo Horizonte, Goiânia, Teresina, Brasília, Aracaju, Teresina, Palmas, Brasília surgiram como cidades planejadas, mas seu planejamento se circunscreveu quase sempre à definição de localização geográfica, planta / plano, arquitetura de edificações praticada nas primeiras décadas e algumas vias e estradas de integração.
Do ponto de vista do impacto populacional da cidade sobre o território pouco se fez. Brasília é destes exemplos típicos. Planejou-se a cidade central e foram previstas algumas cidades satélites, mas polarizações e crescimento populacional não se constituíram objeto de estudos regionais definidores. Ninguém ou qualquer órgão especializado previu o que hoje é Brasília e seu entorno, um aglomerado que a transformou na terceira maior cidade do País, com 3,09 milhões de habitantes (IBGE, 2021), e uma avalanche de problemas atuais e futuros a resolver, seguramente.
Ao redor destas questões, situações caricaturais se verificaram no País, como deslocar nordestinos para a Amazônia em diferentes épocas (período da borracha e período da construção da Transamazônica), assistir impassível à invasão ambientalmente descontrolada do Norte do Paraná e outras conhecidas frentes, em situação em que nada disto se submeteu a planos demográficos nacionais consequentes que levassem em conta política demográfica ou crescimentos populacionais futuros visando ao equilíbrio.
Talvez pouco danosa tenha sido a política de espalhar imigrantes estrangeiros por diferentes Estados da Região Sul e da Região Norte do País, ou pingar grupos nos demais Estados, do fim do século XIX até meados do século XX. Mas, o que se verificou aí, a rigor, foi acolhimento voluntarista e não política demográfica, a despeito da valorosa contribuição que “colônias” italianas, portuguesas, espanholas, alemãs, japonesas, polonesas e os próprios brasileiros deram ao desenvolvimento da agricultura, indústria, e como mão de obra, onde se fixaram.
Por dados de 2020, estimados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE fazem parte do restrito grupo acima citado, 14 capitais de Estado e 03 cidades não capitais, geograficamente, assim distribuídas: na Região Nordeste – 05 cidades: Salvador, 2.880.000 habitantes, Fortaleza, 2.686.612 habitantes, Recife, 1.650.000 habitantes, São Luís, 1.109.000 habitantes; Maceió, 1.025.000 habitantes. Na Região Sudeste – 03 cidades: São Paulo, 12.330.000 habitantes; Rio de Janeiro, 6.748.000 habitantes; Belo Horizonte, 2.722.000 habitantes. Na Região Sul - 02 cidades: Curitiba, 1.970.000 habitantes e Porto Alegre, 1.400.000 habitantes. Na Região Centro-Oeste – 02 cidades: Brasília, 3.094.000 habitantes e Goiânia, 1.536.000 habitantes. Na região Norte – 02 cidades: Manaus, com 2.100.000 habitantes e Belém, com 1.500.000 habitantes (Números aproximados, sujeitos a revisão).
Três cidades não capitais de Estado, situadas na Região Sudeste fecham o grupo de 17 cidades com mais de 1.000.000 de habitantes: Guarulhos, 1.370.000 habitantes e Campinas, 1.170.000 habitantes, no Estado de São Paulo e São Gonçalo, 1.090.000 habitantes, no Estado do Rio de Janeiro. A mesma matriz de crescimento espontâneo e a falta de planejamento econômico e sociodemográfico, as produziu situadas no cone de influência das polarizações exercidas por São Paulo (2) e Rio de Janeiro (1).
Por estes números, para o País e suas 05 Grandes Regiões Geográficas (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro Oeste), o que representam estas extraordinárias concentrações populacionais? Quais foram os indutores deste gigantismo? Para a cidade de João Pessoa, o que significa atingir 1.000.000 de habitantes? Por que o País não teria adotado políticas eficazes que regulassem sua distribuição populacional? E por que em meio a este quadro, trazer à pauta questões metropolitanas de João Pessoa, agora, se ainda estamos em 2023?
Sobre esta última questão, observamos que mesmo tendo população menor do que quaisquer das 17 metrópoles citadas, João Pessoa já convive, embora em escala menos acentuada, com os mesmos problemas que todas apresentam, em mobilidade, segurança, moradia, saúde, saneamento, meio ambiente e outros.
Neste contexto, cabe afirmar que cidades que conhecem e se antecipam aos seus problemas, via de regra, têm tudo para resolvê-los melhor, com mais rapidez e a menores custos.
Este alerta vale para a população que é, por essência, o elemento vital da cidade e o sujeito direto das ações que sobre elas recaem, e são concretizadas, adiadas ou nunca executadas; vale para todas as esferas de governança do território urbano, metropolitano ou não metropolitano, responsáveis diretas por sua gestão; vale para os homens políticos e para os órgãos executores de políticas de planejamento e gestão urbana.
Assim, em face de mudanças que se avizinham, é hora de se ir para os escritórios especializados e salas de estudos (não tanto para a prancheta, como fizemos até pouco tempo), mas para os computadores e por meio de técnicas computacionais avançadas e assistidas, elaborar planos, metas e objetivos, visando a preparar mais adequadamente a cidade para essa futura fase metropolitana.
A meu ver, é hora de acionar órgãos especiais e indivíduos, reunindo-os em estudos e formulações destinadas a pensar, programar e auxiliar a gestão urbana com olhos voltados para o futuro que está próximo, na perspectiva das cidades / municípios que formatam esse espaço, a região metropolitana que tem João Pessoa como núcleo e centro propulsor.
Este horizonte de anos talvez seja o melhor momento para que se intensifique o que já foi iniciado, pois a Região Metropolitana de João Pessoa, composta pelos municípios de João Pessoa, Bayeux, Cabedelo, Conde, Cruz do Espírito Santo, Lucena, Rio Tinto, Santa Rita, Alhandra, Caaporã, Pedras de Fogo, Pitimbú, movida por relações que só tendem a se ampliar com Recife, Natal, Campina Grande, forma hoje um território metropolitano com população estimada em 1.290.200 habitantes, conforme previsões do IBGE para 2021, evidenciando de maneira incisiva que é inadiável atentar para as questões relativas aos impactos do crescimento deste aglomerado urbano.
Ademais, não se deve deixar morrer avanços ocorridos nos últimos 10 anos, em que se verificaram importantes ajustes, pelo debate e pela definição de legislação reguladora, chegando à criação do Parlamento Comum da Região Metropolitana de João Pessoa (PARLACREM-JP), um pretenso fórum permanente de discussão de políticas públicas voltadas para os municípios que o compõem, nas áreas de: infraestrutura, saúde, educação, transportes, turismo, saneamento, além de outros.
A Região Metropolitana de João Pessoa foi criada pela Lei Complementar Estadual 59/2003, de 30 de dezembro de 2003 e depois ampliada pela Lei Complementar Estadual 90/2009, de 11 de dezembro de 2009, que incluiu os municípios de Alhandra, Pitimbu e Caaporã e, posteriormente, pela Lei Complementar Estadual 93/2009, que incluiu o município de Pedras de Fogo.
Para o País, a questão vital está relacionada com as causas e a velocidade com as quais, historicamente, estas urbanizações ocorreram. Onde elas se deram e que consequências socioespaciais, econômicas e políticas produziram ou vêm produzindo na vida nacional e no equilíbrio das forças que comandam o urbano nessas cinco Grandes Regiões Geográficas.
A urbanização brasileira, em vista da urbanização de países como a Inglaterra, Estados Unidos, França, Alemanha e outros, é considerada tardia. No Brasil, esse processo se dá a partir de 1950-1960, diferente da urbanização dos países citados que vem do século XVIII, com a Revolução Industrial.
Londres, Nova York e Berlim
Os fatores que moveram as grandes concentrações urbanas americanas e europeias são explicados pela industrialização. Excetuando-se os períodos de crises (cataclismos geológicos e catástrofes de natureza climática, conflitos decorrentes de guerras e fome), as populações buscavam as cidades, ou eram estimuladas a migrar do campo, em razão das atividades industriais e da oferta de trabalho, dos avanços e da melhoria em saúde e educação que aí estavam a ocorrer. As populações eram atraídas para as cidades à medida que a evolução de demandas urbanas da Revolução Industrial e da oferta de trabalho ia ocorrendo, produzindo, assim, um crescimento mais controlado e melhor ordenado.Nos países em via de desenvolvimento, como o Brasil, o vertiginoso crescimento das cidades ocorreu, em grande parte, em razão de intenso processo migratório decorrente da miséria no campo e em escala menor pela industrialização ainda incipiente como força atrativa. A cidade se transforma em “bouée de sovetage”, tábua de salvação para o emprego e para a própria vida, em muitos casos.
Há poucos dias, o Governo da Paraíba informou à população que logo estaria iniciando, para entrega em dois anos, obra que denominou Arco Metropolitano, uma interligação das BR 230 e BR 101, por via que se estenderá de Santa Rita, passando por bordas do que resta da Mata do Xexém, até às proximidades da entrada para a cidade do Conde, por alça colateral ao Aeroporto Castro Pinto, numa extensão de 18,7 quilômetros, ou seja, das imediações da Escola Técnica de Santa Rita, ao Bairro das Indústrias, ao sul da capital.
Esta importante via, ao lado de outra – a Perimetral Sul – implantada no Governo anterior se constitui continuidade de planos e intervenção importante para a circulação na zona sul de João Pessoa e adjacências. Ao ser entregue à população, a obra reduzirá a sobrecarga de transporte pesado sobre o trânsito da capital, com expressiva repercussão sobre a região metropolitana, traduzindo-se em mais rapidez e descompressão do tráfego de João Pessoa, propósito principal da obra em questão.
Esta informação me despertou, ainda mais, a dar continuidade às reflexões sobre o urbano, às quais, de maneira geral, venho me dedicando, e a incluir o estudo do “crescimento urbano” na série de ensaios que venho publicando no prestigioso veículo Ambiente de Leitura Carlos Romero.
Para ficar em exemplo do próprio Nordeste Setentrional, Fortaleza, uma dessas metrópoles de crescimento populacional acelerado, percebeu e estudou os impactos desse crescimento de efeitos complicadores sobre o tráfego da cidade central e da sua região metropolitana, tendo o cuidado de projetar medidas de longo prazo que logo trariam resultados positivos.
Através de órgãos especiais de planejamento e da formação de pessoal técnico, Fortaleza projetou soluções que denominou Anéis viários (correspondentes a Arco metropolitano, na terminologia paraibana e a Rodoanel, em São Paulo) com vistas a se antecipar aos problemas de mobilidade que se iniciavam e foi construindo sucessivas vias perimetrais no entorno da cidade, mais ou menos de década em década, à medida que o crescimento se pronunciava. A construção da quinta perimetral, a do Porto do Pecém, está em andamento e será mais uma dessas providenciais soluções de tráfego.
Encerro este ensaio, expressando algumas inquietações: — o que deve ser feito para que a João Pessoa do 1.000.000 de habitantes seja para os cidadãos uma cidade com qualidade de vida ainda melhor do que a que se apresenta, atualmente? Neste sentido, as prioridades a serem estabelecidas devem recair sobre que setores, principalmente? — Por estes caminhos, o quanto estamos andando?