Fala-se que, na velhice, a vida perde a graça. Discordo. Quem perde a graça é o velho, não a vida, que sempre está aberta a quem quer desfrutá-la. Uma das formas de evitar que a graça se perca, mesmo sendo avançada a idade, é cultivar o humor.
O bom humor diante das limitações que a idade impõe é uma forma de resignação ativa. Existe a resignação passiva, que leva à tristeza e a uma espécie de submissão ressentida aos percalços da idade. Não é essa a que o humor propicia, pois quem ri da própria condição mostra que não se submeteu a ela.
O riso não apenas “castiga os costumes”, conforme a expressão latina; não é só um instrumento de crítica social e um recurso para transformar as instituições. Ele também constitui um meio de aferição das carências individuais. Concorre para que o indivíduo tenha a exata medida do seu valor e, sobretudo, reconheça suas fraquezas e impossibilidades.
Rir de si mesmo é um gesto grandioso porque vai de encontro ao egoísmo e à presunção de superioridade sobre os outros. Só os grandes espíritos são capazes disso, pois não temem se ver como verdadeiramente são, quer dizer, sem as máscaras com que normalmente atuam na sociedade. “Atuam” é bem o termo, pois o convívio com as outras pessoas tem muito de representação. E ninguém representa o que é, mas sim o que pensa ou deseja ser.
Rimos do absurdo de certos comportamentos, como o de se deixar filmar vandalizando a sede dos Três Poderes; da hipocrisia dos que no púlpito pregam virtudes, mas na prática são capazes de atos extremos como assassinar alguém; dos que falsamente invocam a pátria e a família para conquistar o poder. O riso atesta um descompasso entre o propósito e a feitura, a expectativa e o fato, a visão do mundo e o que o mundo realmente é.
Fala-se que os humoristas são tristes, o que em nada surpreende. Se escolhem o humor, é porque há nele a percepção da impotência humana para mudar o que a vida tem de insuficiente e frustrante. Os humoristas são os primeiros objetos dessa dura percepção. Toda manifestação de humor é no fundo um gesto de piedade. Só que o humorista não tem o propósito de salvar nada nem ninguém; ri desse ingênuo propósito, que não nos redime da nossa condição.
Aos velhos, para os quais tendem a se fechar as possibilidades de viver plenamente, o humor é uma espécie de volta por cima. Um meio de superar as limitações de um corpo no qual minguam os recursos vitais. Nessa quadra da vida, propícia ao cultivo do espírito, o riso aparece como um saber que consola – com a vantagem de reduzir a pressão e aliviar as coronárias. É preciso desconfiar dos velhos que não aprenderam a rir.