Acabei de escutar uma mensagem que provocou em mim certo estranhamento, vinda do alto, numa voz padronizada e insistente, dizendo mais ou menos assim: “Ei, aqui em cima!”
Tempos novos esses em que vem de avião o anúncio publicitário informando que o circo chegou…
Tempos novos esses em que vem de avião o anúncio publicitário informando que o circo chegou…
Esse fato inusitado me transportou para minha infância, vivida numa cidadezinha qualquer, na qual tudo andava devagar, quase parando, como registrou, certa vez, Drummond, em um de seus poemas.
Pois bem: outrora, a chegada de um circo no interior era uma festa. Corríamos atrás do caminhão circense, cheio de tralhas, e ficávamos no meio da rua, no sol escaldante, acompanhando o processo de instalação dos equipamentos: o mastro central, erguido e fincado no chão; a lona, estendida e presa nas laterais; a arquibancada e as cadeiras colocadas em semicírculos, em torno do picadeiro, assim como o velho tapete redondo e colorido, cheio de estrelas vermelhas e azuis, desenrolado e estendido, além das cortinas de veludo roto, afixadas em seu devido lugar.
Depois de tudo montado e pronto, vinha outro momento de puro encantamento: o desfile dos artistas pelas ruas, tendo à frente um carro de som barulhento, apregoando o inconfundível reclame “hoje tem espetáculo, às 7h da noite”.
Pelo dinheiro minguado que eu conseguia, meu ingresso para a estreia era sempre para um assento no famoso “poleiro”, estrutura feita com finas tábuas de madeira, que balançava a cada vez que uma pessoa subia, descia ou se sentava.
Abancar-se num camarote era só para as autoridades ou para os mais ricos do município. Eu não me incomodava. O importante era assistir aos shows de luzes, cores, movimentos e palavras.
A cada atração anunciada pelo apresentador, com sua voz grave e cadenciada, vestido em um smoking surrado e cheio de botões dourados, nós delirávamos.
Debaixo da empanada, aquela maravilhosa vida paralela seguia, conduzida por trapezistas, dançarinas, contorcionistas, equilibristas, acrobatas, palhaços e mágicos.
Eu via tudo com espanto e admiração. Porém, o momento mais esperado era a hora do drama, que, ao término da exibição dos números tradicionais, após um breve intervalo (que, na verdade, servia mesmo era para que a plateia comprasse guloseimas), finalizava a noite carregada de sensações.
Ainda hoje eu me lembro dos títulos de algumas peças: “A louca do Jardim”; “Coração de Luto”; “O ébrio”; “As almas pertencem a Deus”; “Os brutos também amam”, entre outros.
Quando a cortina se abria e as luzes tênues do palco se acendiam, eu me entregava àquele mundo do imaginário. E tudo parecia tão lindo e tão real! As lágrimas vinham, às escondidas, tímidas e envergonhadas, quando o enredo se desenvolvia, num crescente de emoção, e acabava com final feliz ou trazia uma lição de moral.
Por dias a fio, eu perdia o sono lembrando daquelas histórias cheias de suspense e de terror, encenadas pelos mesmos artistas que, há minutos atrás, tinham nos feito rir e se alegrar.
Quando a temporada terminava e o circo ia embora, após várias semanas de procrastinação, reinventando-se com apresentações extras, como o casamento do palhaço, o sumiço da trapezista, a sessão de hipnose, que prometia colocar toda a plateia em transe, ou a presença de algum cantor famoso, era uma tristeza danada. Restava, então, o vazio do terreno baldio, varrido com vassoura de mato, limpo e aguado, até que um novo circo chegasse.
E, com o coração apertado, voltávamos a ser, simplesmente, reles mortais. E meu pensamento ficava repetindo o bordão-chiclete:
“Hoje tem marmelada?”
Tem sim, senhor”.