Em cidades da Europa os bondes percorrem paços e ruas estreitas. Não trazem transtornos ao trânsito, seguem vagarosos sobre a rota dos trilhos. Não há competição, conforme me disseram, entre os automotores e os românticos meios de transporte serenos e ruidosos, sempre apreciados e cheios de passageiros.
É uma particularidade de certo esnobismo, no bom sentido, circular dentro de um bonde que passeia, sem pressa, deixando à apreciação dos olhos os prédios antigos, as paisagens, os movimentos de pedestres, enfim, dão tempo ao enternecimento da vida vista sem os embalos trepidantes da velocidade.
Tudo vai passando como num filme em câmara lenta, afugentando o estresse da correria ao destino: a esta o mundo atual se torna refém.
Por aqui, eles estiveram até, mais ou menos, na década dos anos 60. Foram tangidos da seara urbana por interesses mesquinhos, pelo aparecimento de outros meios de transporte movidos a derivados de petróleo. Um mau falsete administrativo. A retirada deles doeu na alma de muitos. Foram mortos e sepultados na antiga ETLeF (Empresa de Transporte, Luz e Força), onde, atualmente, funciona a Usina Cultural da Energisa.
Deixaram um vazio nos passageiros, na ainda pacata urbe que se revestia e respirava o clima de ternura, mas, no entender de muitos, os lagartos pintados de amarelo eram lentos, pesadões, sem pressa, na contramão do crescimento e progresso de nossa então província bucólica. Hoje, não são vistos nem os trilhos. As trilhas foram surrupiadas em sua originalidade, um estupro em belas construções, o desalento daquelas paisagens que nos traziam mágico deleite.
Bondes trafegam nas avenidas Guedes Pereira (1) e Juarez Távora (3) e no Ponto de Cem Réis, em João Pessoa ▪ Períodos: 1920 e 1960 / Fonte: Allen Morisson, "The tramways of Latin America"
Os bondes poderiam haver continuado. Não competiriam com os carros que dominam as ruas, nestes dias alvoroçados. Com a retirada deles, que tinham como lugar de parada central o tradicional Ponto Cem Réis, ao lado do Ponto Chic. Este foi destruído, bem como o Pavilhão dos Engraxates no outro extremo da Praça Vidal de Negreiros. As modificações se sucederam: primeiro, pelo ajardinamento, canteiros, fonte, viaduto “Damásio Franca”; depois pelo arraso total de tudo para ser construído um deserto de cimento.Tiraram, assim, o referencial de uma época marcante do Centro Histórico de nossa Capital. Alguns lembram dos antigos transportes roncando sobre os trilhos, tocando os fios elétricos com as hastes.
Definitivamente, penso, não voltarão a circular.