O bom do Carnaval é que a gente não precisa se esforçar para vivê-lo. Ninguém tem que fazer um cronograma para desfrutar seus deliciosos efeitos. Ele é por princípio a ausência de planos e esquemas; existe para nos tirar das estratégias racionalizantes com que atuamos no mundo.
Por isso está muito ligado à infância. Na barafunda em que as coisas se transformam durante o reinado de Momo, a criança reconhece mais facilmente o seu mundo. Um mundo sem regras nem leis, regido pelo que Freud chama “princípio de prazer”.
Há quem ligue o Carnaval a paixões fulminantes, visões deslumbradas de odaliscas que ficam uma noite e desaparecem com os raios do novo dia. Outros o associam a encontros suados de corpos no frenesi dos clubes ou no vão escuro de esquinas improvisadas em motéis. Para esses, o Carnaval é sempre a nostalgia de um amor que “desaparece na fumaça”.
Para mim o encanto do Carnaval não está nessas reminiscências eróticas. Vem de outro tipo de lembranças, em que se associam a magia das indumentárias, o fluir ritmado dos blocos, o borrifar do lança-perfume em quem passava nas ruas. Tudo isso indicava uma gostosa inversão de hábitos e valores.
Era possível nesses dias ficar na rua por mais tempo e se sujar sem ser recriminado. Pai e mãe perdiam naturalmente a autoridade, e não havia horário fixo para almoço ou jantar. Podia-se sair malvestido, que ninguém reparava. Pelo contrário; quanto mais andrajoso, mais afinado se estava com o espírito da festa.
Tudo para mim era alegria até o momento em que me deparava com uma daquelas máscaras terríveis. Podia ser um monstro, um vampiro ou algum animal de feiura extrema. O efeito em mim era devastador.
Certa vez um deles me encarou com olhos malignos e cismou de me perseguir. Corri desabalado por vários metros com a máscara no meu encalço. Como estava difícil escapar, acabei tomando o caminho de casa.
Praticamente saltei o muro e embarafustei pela porta da frente, surpreendendo meus pais, que estavam na sala. Vendo-me trêmulo e muito branco, eles me perguntaram o que tinha havido.
“Nada não”, respondi, e fui para o meu quarto. Ali respirei, aliviado, gozando a sensação de segurança e bendizendo o fato de haver neste mundo um lugar em que estamos protegidos. O Carnaval era a liberdade, o improviso, a ausência de normas – mas tinha seus riscos. Fui dormir pensando nesse curioso paradoxo, que só viria a compreender anos depois.