Ou, como diz Hamlet:
“Nada, em si, é bom ou mau – depende de como nos chega”
É famosa a sequência, em CASABLANCA - filme de Michael Curtiz, 1942 (em plena Segunda Grande Guerra) - , em que um grupo de militares nazistas canta no bar do Humphrey Bogart, quando Paul Henreid – com o consentimento do dono da casa – manda que a orquestra execute a Marselhesa, que é cantada de pé por todos os presentes, humilhando os invasores alemães. Já na “Abertura 1812" , composta em 1880 por Tchaikovsky, a Marselhesa representa a terrível invasão napoleônica na Rússia, que a esmaga, no final, com o hino “Deus Salve o Czar”.
Isso me lembra que Tolstói (1828-1910) dizia que jamais escreveu nada que não tivesse vivido, mas, como seu mais famoso romance é “Guerra e Paz” - que se passa justamente durante essa invasão cujo ápice é o incêndio de Moscou (para que o francês ali encontrasse “a terra arrasada” e tivesse de voltar, açoitado pelo “general inverno”), e isso acontecera 16 anos antes do seu nascimento, vê-se que ele se refere a comportamentos - seus e alheios - que narrou.
Daí que em meu romance “Arkáditch” se vê que meu sogro, que nos entristeceu com Alzheimer, me deu um excelente personagem. Daí que há um momento em que ele some de casa e a solução... bem: ele me lembrava muito o James Joyce, daí que, quando seu Né, calcado nele, desaparece, Zé Medeiros (nome que tirei de um dos tios de minha mulher) recebe ligação da esposa, Dondon (apelido de uma das avós dela),e vive esta cena:
– Dondon, pegue, na terceira estante à direita, quarta prateleira de baixo para cima, o livro “James Joyce”.
E repete, como se em português:
– Ja-mes Jo-i-ce. Joyce com ípsilon. De Chester... G... – Estala os dedos, para apressar a lembrança do sobrenome do autor – Anderson .
– Zé, eu estou lhe dizendo que seu pai fugiu e
– Por isso mesmo, Dondon. Pegue o livro.
– Pronto.
– Abra de trás pra frente. Quase no fim há uma foto de página inteira da máscara mortuária de Joyce.
Ele ouve o passar das folhas e, de repente, sua mulher dá com o mesmo sorriso triste (“mas aliviado”), os olhos fechados, cabelos emplastrados de gesso, “Seu Né dormindo”.
- Nossa! É seu pai todinho!
- É. Eu não tenho nenhuma foto dele e essa vai servir. Marque a página com uma tira de papel, ligue pra Iolanda, dizendo que mande alguém da agência pegar o livro, que tire várias xerox da foto e apele para todo esse povo que ela conhece bem, nas TVs, para divulgá-la, acrescentando que pago o que for necessário."
Essas relações me vêm à mente no momento em que vejo um fotograma de UM TRONO MANCHADO DE SANGUE, de 57, grande versão cinematográfica do shakespeariano MACBETH, feita por Kurosawa, em que o protagonista é fulminado por uma saraivada de flechas, a última lhe traspassando a garganta… e me lembro de - que tal como na reviravolta do significado da Marselhesa - entre o "1812" e "Casablanca" - um dos primeiros romances que li - CORAÇÃO DE ONÇA, (de Ofelia e Narbal Fontes, lançado em 1951 - quando eu tinha 10 anos), me deixou na memória a indelével cena da capa, em que o jovem bandeirante Antonio Castanho, atormentado por um papo que tem desde menino, tem seu problema resolvido num ataque indígena em que a deformação é atravessada por … uma flecha.