MANUAL DA ARQUITETURA DO VAZIO “ Os quartos por onde eu deito são pedaços de parede ” (Roberto Almada) Divida a casa por circuns...

A simplicidade do sótão disfarçando a imensidão

poesia capixaba jorge elias neto

MANUAL DA ARQUITETURA DO VAZIO

Os quartos por onde eu deito são pedaços de parede
(Roberto Almada)
Divida a casa por circunstâncias (o que fica na mobília são lembranças) o canto é o lugar secreto, ouvinte paciente, discreto já as paredes, labirinto, não duvide, segue ouvindo cada greta guarda um nome uma reticência e a fome os grandes segredos morrem quando as memórias escorrem mágoas no porta-retrato, amargas como o passado nos canos, todo o defeito, enganos, crimes desfeitos o som percorrendo tudo de uma ponta a outra, absurdo corredor, tempo suspenso, permite arrependimento nas cores, sutil engano, nas portas, um novo plano “muro não prende, contorna” casa é refúgio da aurora na calçada ao pé do ouvido mas dentro se diz no grito de telhado, laje ou vidro se priva do mundo o olvido cada cômodo que existe comprova que a vida insiste mentindo de uma ponta a outra, a casa se faz de mouca dentro pra fora zumbido fora pra dentro umbigo ter um território neutro, gritos perdidos no feltro cada lâmpada um aviso na escuridão, um sorriso na tez o suor, gota e espasmo, tudo isso é coisa do quarto banheira, pia abismal selando a paz conjugal limpeza, questão de higiene, sujeira é o piso que geme na cozinha trinca o prato é a hóstia, a comunhão, o trato na mesa café com pão migalhas, indigestão o cheiro é a língua do gozo que escorre durante o almoço cada cadeira na mesa cada resposta, fineza na somatória dos dias grito, calor e arrelia e na água fria de um tanque revela o segredo, o instante na porta, assinado o trato segue ao pescoço grudado nas gavetas guarda em dobro roupas dobradas, desconsolo é território do chiste o armário com seus cabides cada vaso com sua planta e a vaidade reza o mantra um grão de areia é o crime a prova, da crise a origem porão, se acaso o tiver, se não, cavar com a colher cabe à inglória preguiça o papel protagonista voz, essa tinta de estar da linguagem no altar Eis o templo do sagrado sacrilégio sem pecado O testemunho dos pés, rastilho dos infiéis. Sempre o acaso a casa habita mancha com dor, com a desdita Porque a casa sobrevive, tesa, à morte dos seus convivas.
MANUAL SOBRE FERROLHOS DA PORTA DE SAÍDA
E se cortasse os pulsos contornando o silêncio? Morreria ou se transformaria em outra ilusão? Materna sombra, degredo dos santos, cama de ossos e assombros, de perdas e segredo da alma buliçosa.

Poemas do livro Manual para Estilhaçar Vidraças ■ Jorge Elias Neto
"Jorge Elias revela o obscuro e o colorido do ser humano, transportando o leitor para além de si mesmo. Para que isso aconteça, o autor opera com vários recursos: aliterações, rimas cruzadas, polifonia, cortes abruptos, interrupções e, principalmente, condensações"
(Editora Cousa)
Disponível em cousa.minestore.com.br


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