Sócrates ou ''Se todos fossem iguais a você''

Sócrates (469-399 a.C.) foi o exemplo vivo de como o pensamento crítico realmente incomoda as estruturas de poder de uma sociedade. Seu nome é um dos mais difundidos na cultura ocidental. Sua atitude de humildade diante do conhecimento resiste até nossos dias.

Para quem pregava que o corpo era a imagem da alma, poder-se-ia dizer que Sócrates não servia como um exemplo a ser analisado. Para muitos, portanto, a fealdade dele não se coadunava com sua pureza moral. Contudo, sua aparência é apenas

Fonte: British Library

uma demonstração de como algumas pessoas podem soar superficiais, condicionando a beleza física a um símbolo de beleza interior. Em O Banquete, Alcibíades descreveu Sócrates como extremamente feio, calvo, barbudo, gordo, baixo, com o nariz esborrachado, assemelhando-se a um sátiro ou um sileno. O corpo desprovido de atrativos escondia sua alma descomunal, seu caráter luminoso.

O mundo do filósofo ateniense, definitivamente, é o mundo interior, a consciência do homem, o mundo do agir – um terreno permeado por decisões entre fazer ou não fazer. É o mundo do comportamento, da ética. Viveu em Atenas, cidade-Estado grega, isto é, cidade no tamanho, mas também uma nação autônoma. Em seu tempo, a cidade vivia o esplendor de sua glória e era governada por Péricles. Sócrates, que recebera ensinamentos de Anaxágoras, era o exemplo mais bem delineado da “cor local” de Atenas: vagava pela cidade conversando com qualquer um que lhe desse atenção.

Palavra de SócratesGustave Doré ▪ 1868

O que conhecemos dele vem dos diálogos escritos por Platão (Apologia de Sócrates, Críton, Fédon, O Banquete, A República), que foi decisivamente influenciado por Sócrates de tal modo que é impossível dizer em que parte começa o pensamento de um e termina o de outro.

“A vida não analisada não merece ser vivida” – eis uma frase lapidar do pensamento socrático. Com seu método dialético de extrair a verdade, talvez seja Sócrates a pessoa que tenha estado mais próxima de ser a base da filosofia. O autoconhecimento era um dos pontos básicos de sua filosofia. “Conhece a ti mesmo”, frase inscrita no Oráculo de Delfos, era a recomendação básica feita por Sócrates a seus discípulos.

Sócrates ensinando aos seus discípulosJosef Abel ▪ 1807

De outra banda, inovou com vários questionamentos éticos: procurou investigar a existência de uma essência da virtude, da justiça, do bem. Propunha a identificação da verdade como um bem moral. Para ele, o conhecimento do que é certo leva ao agir correto, ou seja, ninguém será feliz se agir contra as suas próprias convicções – argumento simples e certeiro que marcou o espírito humano de forma indelével.

Sua filosofia era desenvolvida mediante diálogos com seus interlocutores. Esses diálogos podem ser divididos em dois momentos básicos: a ironia (“sei que nada sei” – posição de humildade quanto ao conhecimento) e a maiêutica (“a arte de trazer à luz”: a mãe de Sócrates, Fenareta, era parteira). Sua forma de pergunta e resposta e o debate lógico de oposição de pontos de vista receberam o nome de dialética.

A Morte de Sócrates ▪ litogravura, 1882 ▪ NY Public Library

Com seus modos intransigentes e seu gosto de fazer do pomposo algo tolo, Sócrates conseguiu fazer muito inimigos entre a classe mais alta de Atenas. Por suas ideias perigosas, passou a ser persona non grata nos círculos da época. Trataram, então, de arrumar alguma forma de tirá-lo de circulação. Acusado de ser injusto com os deuses e de corromper a juventude, por estar mais interessado na prática da virtude e na busca da verdade, foi condenado a beber cicuta pelo regime político ateniense.

Viveu sua própria filosofia e não fugiu à dura sentença dos homens frívolos e mesquinhos: manteve-se fiel a seus princípios até o último suspiro. Foi o primeiro grande herói da filosofia. “Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver...”, já dizia a canção. E se todos fossem iguais a ele? Sem dúvida, o mundo seria um lugar quase perfeito.

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