Minha banda pernambucana e um desejo incontrolável de brigar com o diabetes me remetem ao bolo de rolo, Patrimônio Imaterial e Cultura...

Que se dane...

culinaria tradicional recife bolo rolo goiabada
Minha banda pernambucana e um desejo incontrolável de brigar com o diabetes me remetem ao bolo de rolo, Patrimônio Imaterial e Cultural de Pernambuco, como está na Lei Estadual nº 13.436/2008. É projeto legislativo com assinatura do deputado Pedro Eurico levado à sanção do governador Eduardo Campos, o moço retirado da vida e da campanha presidencial de 2014 quando seu avião caiu naquele assombroso 13 de agosto. Além de agosto, 13.

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Pref. Olinda
Patrimônio imaterial, sim. E tão cultural quanto outros símbolos da alma e da história pernambucanas, tais como o bolo Souza Leão, o Carnaval de Olinda, o Bloco da Saudade, o Galo da Madrugada, ou a dança do Xaxado.

O Frevo, é preciso dizer, excedeu, honrosamente, esses limites. É, desde 2012, Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade por decisão da Unesco, ente da Organização das Nações Unidas com sede em Paris e atuação universal nas áreas da cultura, educação, informação e comunicação e, ainda, das ciências naturais, sociais e humanas. A ideia é promover a paz e o progresso por meio da cooperação e do conhecimento que as Nações possam ter umas das outras.

Não está na relação da Unesco, contudo, o que mais desarmaria os espíritos e acalentaria os corações do que um pedaço generoso de bolo de rolo, sejam quais forem os índices glicêmicos, as diferenças climáticas e os sotaques?

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casadosfrios
Por favor, nunca o trate por rocambole. Isso é uma heresia. Não leva leite, fermento (químico nem biológico) e não admite recheio que não seja uma camada fininha de goiabada na superfície de uma massa amanteigada, também esta, comprida e finíssima.

Aliás, fazê-la no ponto mais fino possível é o grande desafio a ser superado por quem, com esse propósito, vá à batedeira apenas com ovos, açúcar, manteiga, baunilha e farinha de trigo pouca e derramada com cuidado. O que se busca, ninguém esqueça, é um lençol com espessura de poucos milímetros a ser enrolado sem rasgos assim que saia de uns cinco ou seis minutos de forno para receber aquele encanto de geleia. Tenha, portanto, a paciência de Jó e as mãos de uma fada.

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Você precisará do forno preaquecido e de umas cinco ou seis assadeiras bem rasas, untadas com manteiga e farinha, se o objetivo for um bolo de tamanho apenas suficiente para o lanche da família, ou o deleite de visitantes. E precisará dissimular a pena com o sumiço quase repentino daquilo que exigiu tantos cuidados e deu tanto trabalho. Coragem: resista, controle-se.

Como tantas outras heranças portuguesas que hoje preenchem o tempo e a vida dos brasileiros – a dos nordestinos, em particular, porquanto habitamos o berço da Pátria – o bolo de rolo é filho dileto do “colchão de noiva”, um tipo de pão de ló com recheio de nozes e damascos que nos trouxeram as caravelas. Pobres europeus, não sabiam o que era goiaba. Não foi assim? Perdoe-me, então. Foi como li.

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A propósito, goiabada em lata para o recheio do bolo de rolo é quase um crime de Lesa Pátria. Trate você mesmo de fazer o doce com a fruta que há em abundância nas feiras livres e supermercados, o ano inteiro, neste Brasil ensolarado. A pasta nada mais exige além de açúcar e amassos.

Já viu engenheiro sem régua, médico sem estetoscópio, astrônomo sem luneta? Jamais verá sem espátula alguém nos preparos de um bolo de rolo. É ferramenta imprescindível à massa tão cuidadosamente alongada em formas específicas, a tanto apropriadas (com milímetros de espessura, repito) e ao espalhamento fino do recheio já percebido por vizinhos de parede e meia assim que levante fervura. Ninguém, em tais circunstâncias, escapa desse cheiro nem deixa de a ele se render.

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receitasemmedidas
Está bem, aceito críticas ao exagero. É que não concebo a existência de um ser humano por aqui nascido e criado, mas incapaz de gostar dessa fruta originária da América tropical, zona abaixo do Equador, essa linha imaginada para fatiar o mundo em dois pedaços.

Goiaba é sapoti, minha gente. É caju, mamão, manga e é pinha, essas frutas que muitos de nós um dia tivemos nos quintais de pai e mãe. Goiaba tem cor e sabor disso tudo. Tem gosto de infância e felicidade. Tem modos de passarinho, cheiro de saudade. Como não gostar disso?

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Caminhos
Não convido ninguém para um bolo de rolo preparado no santo recesso do lar porque nunca fui capaz de emendar e enrolar, até a grossura mínima de um litro de uísque, aqueles pedaços de uma massa quase transparente, se bem feita. Mas espero o convite dos que nasceram com a habilidade que me falta e em razão da qual tanto os invejo.

Lanchonete, restaurante, balcão de padaria? Até me arrisco, mas prefiro mesmo as cozinhas domésticas e salas de jantar daqueles que eu conheça e me queiram bem. Bolo de rolo, acho eu, tem o tempero completo com o fermento dos reencontros e da benquerença. Acredite numa amizade sincera quando alguém lhe chegar com um deles e o aviso: “Fiz para você”. O afeto assim expresso terá a dimensão dos cuidados e do trabalho que aquele preparo exigiu.

Ah, sim... Açúcar na massa, açúcar na goiabada e açúcar sobre o rolo antes de ser servido, quando já frio. E que se dane o diabetes.

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