Meu brinquedo favorito na infância era o playmobil. Envelheci e ele sumiu da minha vista por muito tempo. No Brasil, não era comum...

Playmobil

brinquedo infancia playmobil
Meu brinquedo favorito na infância era o playmobil.

Envelheci e ele sumiu da minha vista por muito tempo. No Brasil, não era comum vê-lo mais em propagandas, nem exposto em prateleiras. Foi durante um passeio numa loja de departamentos na Europa que o reencontrei. A surpresa foi tão boa que comprei um exemplar. Era um astronauta que vinha num saquinho. A minha impressão foi que o boneco tinha sido reduzido de tamanho, por alguma mudança no mercado, economia de matéria-prima ou preferência do público infantil. Descobri, depois, que o playmobil sempre teve os mesmos 7,5 centímetros.

Ele não diminuiu. Foi minha a mão que cresceu.

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Hans Beck (Turíngia, 1929/2009 - Alemanha) Colin Seymor
O playmobil foi criado em 1971, pelo inventor alemão Hans Beck, mas só começou a ser comercializado em 1974, tornando-se, em pouco tempo, um imenso sucesso mundial.

Eu tinha uma coleção razoável, para um garoto de classe média. Não dava para ter todas aquelas coleções, expostas nos catálogos coloridos que vinham anexos as caixinhas. Na maioria das vezes, eu ganhava bonecos individuais. Raramente, em ocasiões especiais, recebia pacotes maiores, com cenários inteiros. Eu me lembro, especialmente, quando ganhei, dos meus pais, o Forte Apache. Fiquei impressionado, excitado, incrédulo. Era um brinquedo caro, como o são a maioria dos brinquedos industrializados.

Brinquedos sempre foram um luxo. São um “supérfluo” ao qual muitas crianças não têm acesso até hoje. A arqueologia encontrou brinquedos rudimentares que remetem a cerca de 4.000 a.C. Antes da Revolução industrial, no século XIX, os brinquedos de maior qualidade eram artesanais, e consistiam em pequenas obras de arte individuais. Depois, com a produção industrial em série, tornarem-se mais acessíveis, mas continuaram a ser artigos caros.

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J. Wang
Brincando, as crianças simulam a vida adulta, exercitando papéis sociais e profissões que sonham em desempenhar no futuro.

Brinquedos são amuletos que abrem um portal para um ambiente lúdico, de ilusão, de fantasia e de criatividade, no qual as crianças se sentem como protagonistas de uma história autoral, própria, individual, criando e vivenciando uma mitologia pessoal, através de pequenos objetos mágicos que os fazem sonhar e voar através da sua imaginação, para além de sua vida cotidiana, nem sempre tão inspiradora.

É assim que nascem reis, princesas, heroínas, desbravadoras, cientistas, campeões, atletas, construtores e artistas. Desejos e sonhos que aparecem primeiro na mente e no coração e, quando encontram as condições propícias, também na vida real.

A imaginação deixa as sementes que germinarão depois, por isso brincar deveria ser um direito básico e garantido a toda criança, que não poderia deixar de ter acesso a uma cesta básica de brinquedos, para cada fase de sua infância, caso estes não pudessem ser adquiridos por seus pais. Privar uma criança de brincar é mutilar a sua alma.

J. Wang
Eu não tive todos os playmobis e cenários que queria, então comecei a criar. Dediquei-me a confeccionar acessórios para os meus playmobis. Transformava caixas de sapato e caixotes de papelão em edifícios, todos pintados a guache. Meu saloon de Velho Oeste tinha até porta oscilante.

Quando a aventura era medieval, eu recortava, com uma tesourinha escolar, aquelas folhas finas de alumínio que lacravam as latas de leite em pó e de cereais integrais, e construía cada parte das armaduras dos meus cavaleiros. Se fosse hoje, com a internet, talvez produzisse verdadeiras peças de artesanato, mas, na época, era tudo intuitivo. Eu contava apenas com a figura de uma armadura, que encontrei em um volume da enciclopédia Barsa, na estante da sala de estar. Mesmo assim, cada boneco era revestido com elmo, grebas ou caneleiras, espaldar e escarpe. Tudo de metal. Até mesmos os cavalos recebiam a sua indumentária para as justas.

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Salatiel Ramalho
Os efeitos colaterais da produção artesanal incluíam alguns cortes nos dedos, sempre tratados com aquela versão ardente do antisséptico mais famoso da época, com violeta genciana e com curativos adesivos.

A criatividade preenchia os itens que faltavam em minhas brincadeiras. Eu me virava. Mas a verdade é que nem sempre podemos nos virar sozinhos, quando a situação é muito precária. Às vezes precisamos de ajuda, de apoio, de socorro.

Lembro de uma matéria na TV, muito comovente, que tratava do flagelo da seca no Nordeste, na qual um repórter se emocionou com o menino que brincava com ossos de boi, achados numa carcaça, ressequida pelo sol inclemente. Todos choraram: mãe, criança, repórter e expectadores.

A gente faz o melhor que pode com o que temos a mão. Isto se aplica aos os brinquedos e, também, a vida. Mas, eu acredito que, juntos, podemos fazer bem mais, por todos, e por cada um, sobretudo se quem necessita é uma criança.

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