O gosto de Severino Sertanejo pelos temas e formas da literatura oral e, especificamente, sua dedicação ao folheto de feira, pode suscitar alguns questionamentos, sobretudo quando se identifica, nesta expressão severina, o bacharel Luiz Nunes, homem culto, dedicado à aridez dos impasses para o estabelecimento de limites entre a exatidão contábil e as exigências do
Direito.
Considerando a diferença entre estas duas individualidades, parece cabível a indagação: por que a forma popular? Seria apenas apropriação ou a expressão legítima de um lirismo que se plasmou na vivência interiorana e se mantém inalterado, da mesma maneira que permanece no homem, independente no nível intelectual, a preferência pelos hábitos simples, pela paisagem rústica, ou pelos sabores onde não se inclui o padrão sofisticado?
É preciso lembrar que Luiz Nunes, à semelhança de outros tantos nordestinos, não tomou conhecimento da literatura de cordel através da perspectiva livresca, que tantas vezes induz ao deslumbramento em razão da novidade ou do exotismo que esta forma de literatura pode representar diante de outra realidade cultural.
Para este sertanejo de Água Branca o folheto foi, certamente, o primeiro livro, a primeira manifestação poética, o primeiro impacto de uma poderosa forma de comunicação. Na feira, no alpendre ou no terreiro de casa, este foi o seu texto de iniciação. Apreendido de forma oral, como as histórias de Trancoso e, depois, fazendo-se exercício de leitura, apaixonante leitura, pela magia do seu ritmo incomparável e pelo encantamento do mundo maravilhoso de soluções mágicas para todas as coisas: Deus e o diabo e os homens mortos e vivos, sem barreira de tempo e espaço, no realismo fantástico dos poetas populares do Nordeste.
É este substrato cultural que dá legitimidade à escolha de Luiz Nunes, quando fez do folheto de feira sua forma de expressão. A seu respeito seria impróprio falar em estilização, em recriação das formas simples como acontece em Zelins e Ariano. Severino Sertanejo é, como diria Átila Almeida, um "poeta de bancada ". Um contador de histórias em versos e rimas, na sequência de uma tradição. Deixando sua marca em longos poemas, na preocupação didática, e na utilização do registro culto da língua, ainda que a escolha semântica e a construção metafórica revelem a intenção de manter o traço popular.
A Princesa Magalona e o seu amor por Pierre vem, agora, acrescentar a produção de Luiz Nunes, representando um novo ciclo em sua seleção temática. A história que atravessa séculos e continentes, perenizada no imaginário popular, encontra no poeta de Água Branca um novo cantor. E Severino Sertanejo se supera nesta narrativa, reescrevendo o mito do amor invencível, que esta é a história de Magalona. História de heroísmo, lealdade e perseverança, de todos os sentimentos que a estupidez, o ódio e a violência do mundo parecem querer apagar.
A emoção da leitura se confunde com a percepção de quanto a figura romântica de Luiz Nunes, em seu terno de linho branco e seu chapéu de palhinha, está em harmonia com a realidade imaginária que faz reviver Magalona e restaura toda uma simbologia da relação amorosa.