Chauvin talvez seja a mais patética caricatura da História. Nicolas Chauvin foi um jovem militar napoleônico, usado como modelo de sol...

O último refúgio do canalha

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Chauvin talvez seja a mais patética caricatura da História.

Nicolas Chauvin foi um jovem militar napoleônico, usado como modelo de soldado.

Alegadamente, a motivação de Napoleão era a de promover o rapaz como exemplo de amor de serviço à pátria.

Com o advérbio “alegadamente” expresso a minha suspeita de que as causas e ideais que justificam as guerras e os golpes militares são um estelionato ideológico. O interesse real de Napoleão era o de criar e manter um Império, para si e para os seus descendentes, usando como desculpa os princípios da Revolução Francesa, que tinha acabado de acontecer, numa demonstração de como as idéias podem ser rapidamente conspurcadas e aviltadas, por mais pura ou legítima que tenha sido a sua fonte. Napoleão
Napoleão cruzando os Alpes, Palácio de Versalhes (França) Jacques-Louis David
fez com a Revolução Francesa, o que os monges parabolanos fizeram com a Mensagem de Jesus, ainda nos séculos iniciais da fé cristã: deturparam-na em nome do seu interesse político e da promoção do fanatismo. Os parabolanos mataram a filósofa Hipácia e prenderam fogo na Biblioteca de Alexandria, enquanto Napoleão causou a morte de três milhões de pessoas nas guerras que provocou.

Para Napoleão, o “exemplo” de Chauvin era a perfeita expressão do tipo de peão que ele precisava para mover no seu xadrez: o recruta obstinado, movido por uma devoção cega e ingênua e capaz de tudo em nome da “pátria” e do líder: o fantoche ideal, o idiota útil por excelência, a bucha de canhão, o patriota perfeito, 17 vezes ferido em combate, mutilado, mas sempre de volta ao campo de batalha com os membros e pedaços que lhe restavam. Tudo em nome do Imperador.

Chauvin era um ícone tão valioso para Napoleão, que ele o condecorou pessoalmente.

Afortunadamente, a humanidade não é constituída apenas de espertalhões e de imbecis. Também há os artistas. Estes nem sempre se deixam seduzir pelo poder, como
Nicolas Chauvin (dir), Teatro Vaudeville (Paris) Nicolas Toussaint Charlet
ocorreu ao personagem Hendrik Höfgen, em Mefisto. Em vez disso, muitos formam uma linha de resistência à barbárie e ao caos, denunciando o mal e as ameaças a vida e a liberdade, seja através da tragédia ou da comédia. No caso de Chauvin, o caminho escolhido pelo teatro cômico de Vaudeville, naturalmente, foi o da ridicularização. Nas apresentações do grupo, Chauvin era apresentado como um personagem ingênuo, espalhafatoso e exaltado. As peças que o retrataram, contribuíram para a conotação negativa do termo “chauvinista”, que passou a ser sinônimo de ultranacionalista fanático, xenófobo, preconceituoso e violento.

No século XX, já consagrado como uma ofensa, o adjetivo passou a ser antecedido pelo substantivo masculino “porco”, por causa de publicações feministas das décadas de 1960 e 1970, particularmente as do Movimento de Libertação da Mulher, que designavam como “porcos chauvinistas” aqueles indivíduos considerados como reacionários, misóginos e machistas.

A descrição de “patriotismo” feita pelo literato inglês Samuel Johnson no século XVIII, segundo a qual “o patriotismo é último refúgio do canalha”, assemelha-se bastante a conotação hoje assumida pelo termo
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“chauvinista”, sobretudo quando nos remetemos ao conteúdo sugerido por James Boswell, o biógrafo de Johnson, ao esclarecer que o literato se referia ao "pretenso patriotismo que tantos, em todas as épocas e países, têm usado como um manto para os próprios interesses", e não ao legítimo sentimento de pertencer a um país.

A distinção anotada por Boswell é importante, pois não se trata de reprovar o amor sincero e real que alguém pode possuir por sua terra natal e pelo seu povo. Trate-se, sim, de denunciar a apropriação indevida feita desse conceito por parte de políticos demagogos e de falsos nacionalistas que se escondem por trás de uma suposta devoção exacerbada ao país, para estimular extremismos, instigar o ódio, promover radicalizações e incentivar a violência, sempre em seu proveito próprio e de seus cúmplices.

Um imbecil não resiste a fazer parte de um movimento fanatizado, apenas para se sentir parte de algo que reúne um número considerável de indivíduos semelhantes a ele.

Já o canalha, não hesita em se embrulhar na bandeira nacional e gritar palavras de ordem, sempre que fareja nisso uma vantagem e um passe para conquistar ou manter seus próprios privilégios. Camuflado sob o símbolo que ele mesmo avilta, o canalha mente, rouba, mata, estupra, tortura, ludibria, abusa, corrompe e destrói, dizendo-se o patriota sempre disposto ao sacrifício.

De fato, quando nenhum disfarce mais dá conta de esconder toda a extensão de sua infâmia, vileza, patifaria, ignomínia, mau caratismo e velhacaria, sob o patriotismo o canalha encontra o abrigo perfeito.

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  1. Ana Adelaide Peixoto2/1/23 16:38

    Vimos isso durante os últimos 4 anos - Deus acima de tudo, de todos, e família, e a usurpação dos símbolos nacionais. Gracias a la vida que ontem tivemos o início de um Brasil do futuro, com o resgate do verde e amarelo, na medida certa.

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  4. Muito bom. Ótimo texto. Parabéns. Eu costumo discernir entre patriotismo como legítimo apego a uma terra, uma pátria, e "patriotada", que é uma versão deturpada desse sentimento. Toda patriotada é espetaculosa, cafona, artificiosa, xenófoba e autoritária. A patriotada está para o patriotismo como a hipocrisia está para a virtude. Já se diz, a hipocrisia é uma homenagem que o vício rende à virtude

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