Em tese, uma cidade nasce, cresce, expande-se sobre a paisagem próxima, desenvolve-se e “faz a região”, como dizem os geógrafos. No en...

Geografia, expansão urbana, novas centralidades: a agonia de um bairro e pontos de vista sobre revitalização

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Em tese, uma cidade nasce, cresce, expande-se sobre a paisagem próxima, desenvolve-se e “faz a região”, como dizem os geógrafos. No entanto, no processo de sua própria formação, a cidade recebe influxos da “região”. Dá-se processo de mão dupla: a “cidade fazendo a região” e a região contribuindo para o desenvolvimento da cidade. Em suma, os papéis da primeira são prevalentes: a cidade comanda e a região é a comandada.

Por muito tempo, a Geografia Clássica, por seus cânones e defensores, considerou que concepções formulados por eminentes pensadores, a região que fazia a cidade. A ruptura desses pressupostos se dá a partir de estudos dos quais a Geografia Moderna ou Nova Geografia se serviu.

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Pierre George ▪ 1909—2006
Pierre GEORGE (1909-2006), coautor de Geografia Ativa (DIFEL, 1973), foi um dos mais severos críticos desse entendimento que, mesmo tendo muitos adeptos, não demorou a ser destronado pela Nova Geografia, por via da qual se consagrou, em definitivo, a compreensão de que a cidade, por um determinado conjunto de elementos, fatores e variáveis, é que “faz a região”.

Luminares como, Alexander VON HUMBOLDT (1779-1859), Karl RITTER (1779-1859), Vidal DE LA BLACHE (1845-1918), André CHOLLEY (1886-1968), Richard HATSHORNE (1889-1992), Pierre GEORGE (1909-2006), Milton SANTOS (1926-2001), Bernard KAYSER (1926-2001), David HARVEY (1935), dentre outros tantos, legaram ao mundo da ciência os fundamentos que estimulariam a formulação de uma geografia mais crítica, mais identificada com a realidade e ordenamentos que valorizam a análise do espaço cultural, o construído pelo homem, além de todas as relações sociais (campo x cidade, cultura, economia e grandes conflitos sociais). Uma geografia “servindo antes de tudo para fazer a guerra”, como simbolicamente escreveu Ives LCOSTE (1929).

Mesmo já tendo nascido cidade (1585), e se posicionado como a terceira capital mais antiga do país, a cidade da Parahyba não se expandiu à velocidade de outras tantas da costa brasileira. Esta capital ficou estagnada por mais de 200 anos, cumprindo papéis secundários definidos pela Coroa Portuguesa, pelas Governadorias Gerais do Brasil e pelas Capitanias Hereditárias, às quais, em dança singular esteve submissa, ocupando-se da vigilância do território e da segurança local, da entrada e saída de uns tantos produtos extrativistas e mercadorias, da implantação de estabelecimentos religiosos, administrativos, fazendários
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Mapa da cidade da Paraíba (Frederickstadt), confeccionado pelos holandeses ▪ 1634 ▪ Fonte: Itamarati
e educacionais, dentre outros papéis de menor significação.

Durante este “pousio”, o território povoado da cidade se restringia ao Varadouro e testadas das encostas voltadas para o Sanhauá. E assim permaneceu por muito tempo. A expansão só vai ganhar impulso, a partir de 1889, sob os efeitos político-administrativos da Proclamação da República que estimularam a migração do meio rural para os centros urbanos.

Deste momento em diante, por ações não planejadas, é que se formam as primeiras centralidades ou núcleos que, de maneira gradual e numa sorte de expansão tentacular buscam os espaços de periferia da capital. Os indivíduos e as atividades produtivas começam a se aglomerar fora do centro, dando origem aos núcleos urbano do Roger, Mandacaru, Torre, orla de Tambaú, fundões do Jaguaribe, Ilha do Bispo, Cruz das Armas, Cabedelo-Porto, que vão estruturar a cidade de em formação, cujo elo com o núcleo central se dava pelos antigos caminhos ou estradas do Sanhauá, Tambiá, Mandacaru, Tambaú, Macaco, Jaguaribe, Gramame, Cacimba do Povo e Marés.

Entretanto, estas novas centralidades, ao mesmo tempo em que favoreceram a largada para a expansão urbana, constituíram-se também em pá de cal sobre um Varadouro que acabara de levar golpe mortal, assistindo passivamente a desativação do Porto do Capim/Sanhauá e a transferência de atividades comerciais portuárias para Cabedelo.

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ESQ: Localização dos portos de Varadouro e Cabedelo ▪ DIR: Representação cartográfica atual dos bairros de João Pessoa ▪ Imagens: Alphabet
Ressalte-se que todos estes fatos se deram no bojo de um laissez faire (deixa fazer), excluído de qualquer ação de governança, planejamento ou ação compensatória em benefício do espaço que se esvaziava. Isto, sem dúvida, marca o princípio do processo de deterioração e de perda de funções que até aí punham o Varadouro em primazia. Por forças naturais e pela infraestrutura que foram recebendo, essas novas centralidades se expandiram e foram se consolidando como núcleos urbanos que, conquistando alguma autonomia, atraíram atividades e população e por consequência reduziram sua dependência do núcleo principal.

Mas, muita atenção, pois a preços atuais, o bairro que teve funções portuárias, rodoviárias, ferroviárias, de zona de comércio e serviços, e de zona residencial de atividades intensivas, e que à medida que a cidade se expandia, as foi perdendo e de certa forma se desintegrando da “cidade em crescimento”, ainda exibe vitalidade portentosa, malgrado os “pontos de caos” existentes.

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Estações rodoviária (ESQ) e ferroviária (DIR) de João Pessoa, localizadas no bairro do Varadouro
Imagens Alphabet
Habitação, trabalho, recreação e circulação, como preceitos da Carta de Atenas, são funções urbanas básicas que ainda se mantêm vivas, às vezes de maneira precária, nesses dois espaços urbanos de economia deprimida – a Cidade Baixa e partes da Cidade Alta. Mas, o Varadouro não morreu e pode ser revitalizado! Basta vontade política de fazê-lo, projetos criativos e integrativos, e busca dos recursos necessários que sempre existem. A meu ver, qualquer plano/projeto sério de revitalização haverá de ser criativo e contemplar ambos os espaços.

E por que não, um pouco mais de arrojo e criatividade, e governanças envolvidas e iniciativa privada estimulada a participar proporem plano/projeto estratégico voltado para toda a grande “mancha urbana de pequenos e médios negócios”, composta pelas “ilhas de negócios”: Centro/Varadouro, Roger/Tambiá, Mandacaru, Torre/ Jaguaribe/Cruz das Armas?

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Alphabet
Na função recreação, o Ponto de Cem Reis é o espaço primaz dentre todos. Positiva seria sua reformulação em projeto mais integrativo e que valorize melhor a ambiência histórica da qual é parte. O Teatro Santa Roza, de nuances flamencas, o Hotel Globo, a Casa da Pólvora, o Pátio de São Pedro Gonçalves são, sem dúvida, locus no bairro que precisam ter mais vida e dispensam comentários sobre os papéis que podem desempenhar no contexto de um projeto de revalorização urbana. A Praça Antenor Navarro é um espaço público de largo potencial para eventos festivos eventuais que para sua eficiência carece de projeto adequado. Estação Rodoviária, Ferroviária e Terminal de ônibus urbanos são equipamentos de intenso uso e fluxo de pessoas, vantajosamente situados em espaços contíguos, sendo, lamentavelmente, operados de forma técnico-gerencial convencional e compondo um espaço desprovido do amènagement de territoire valorizador e atrativo que o conjunto dessa histórica da área deveria receber, como recurso urbanístico. As atividades comerciais ainda operadas nas avenidas e ruas Beaurepaire-Rohan, Maciel Pinheiro, Barão de Triunfo, Cardoso Vieira, Sanhauá, Guedes Pereira, Desembargador Trindade e adjacências, a rigor, nem de longe indicam que o Varadouro esteja morto, como apressadamente, às vezes, se afirma.

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Rua Maciel Pinheiro, com a praça Antenor Navarro ao fundo
Sem dúvida, parte do bairro está abundantemente maltratada, notadamente no Porto do Capim e na Avenida Sanhauá, nos elevados que abrigaram galpões fabris na Rua da República, em casario às proximidades do Cemitério da Boa Sentença, nos derredores da Praça Napoleão Lauriano, todas pequenas zonas que se semimarginalizaram em vários aspectos. Em verdade, têm-se aí inúmeros prédios envelhecidos, abandonados e desmoronando, mas nada que não possa passar por reconversões criativas.

Mas, atenção! Muitas edificações do Varadouro se encontram em precárias condições de conservação, mas mesmo neste estado de coisas é ainda muito significativa a quantidade delas em uso e dando suporte às chamadas “atividades econômicas licenciadas”.

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Rua da Areia ▪ expressiva artéria histórica no bairro do Varadouro
A escolha do Varadouro como tema deste ensaio não terá sido ao acaso. Inserido em trajetória espacial-urbana iniciada nas últimas décadas do século XVI e que se estende aos dias atuais, este espaço se notabiliza, enquanto fração e setor da cidade, por acontecimentos e processos que, por relevância histórica, urbanística, econômico-social e cultural, sempre o colocarão sob a lupa de pesquisadores, técnicos, documentaristas e outros interessados em estudar, na integralidade, o crescimento & desenvolvimento da capital e as controvérsias e polêmicas em torno deste secular espaço urbano.

Por mais de dois séculos (1585-1850), a capital da Parahyba do Norte, nascida au bord des eaux, teve crescimento espacial e populacional lento, podendo-se até classificá-lo como vegetativo, simplesmente. Nesse período, a cidade pareceu apenas cumprir o papel inicial em razão do qual foi criada pela Real Coroa Portuguesa. Suas funções não foram além de ponto de defesa do território, ancoradouro de pequenas embarcações, acanhado centro de trocas comerciais, local de envio de açúcar e madeira para outros portos e para a Corte Portuguesa, posto de comercialização de escravos, “agência de formação de mão de obra” através da catequização de nativos. Enfim, une base d'outre mer,
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Igreja de S. Pedro Gonçalves
para que o Império Luso pudesse, à distância, comandar os destinos do seu território no Brasil.

A este propósito, em especial, cabem algumas questões: em meio urbano ainda tão embrionário, como explicar a presença na cidade, de tantas Capelas e Igrejas isoladas, de tantas congregações religiosas e de 04 grandes suntuosos Conventos e Templos (Jesuítas, Beneditinos, Franciscanos, Carmelitas)?

Por certo, apostava-se em riquezas que se produziriam para além do Sanhauá, na hinterlândia, pois a cidade ainda não se impunha, nem como núcleo urbano de grandes proporções, nem como polo comercial de vulto. Mesmo assim, em razão do pau-brasil, do cultivo da cana e da produção açucareira que se fazia sob o controle de Pernambuco, o território da recém-criada Capitania da Parahyba (1584), desmembrado daquela, tornar-se-ia objeto da cobiça de outros povos europeus, além dos portugueses.

Em 1494, os reinos de Portugal e Castela assinam o Tratado de Tordesilhas, para dividir as terras "descobertas e por descobrir" por ambas as Coroas fora da Europa. Afirma-se que com esse Tratado, a Coroa Espanhola trouxe tranquilidade à Parahyba, e que entre 1600 e 1624, a cidade Filipeia se expandiu, o comércio antes centrado na saída de pau-brasil e açúcar, e na entrada de gêneros de primeira necessidade e objetos de luxo para a pequena elite aqui já estabelecida aumentou, as fronteiras da penetração para o interior da capitania avançaram com a construção de novos engenhos de açúcar nas adjacências do rio Paraíba,
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Divisão original das capitanias hereditárias do Brasil
bem como se impulsionaram os cultivos para a produção de alimentos e as fazendas de criação de gado.

A Coroa Holandesa, através do capital da Companhia das Índias Ocidentais se fixou na Paraíba por 20 anos (1634 a 1654), deixando marcas físicas e culturais não tão tangíveis e duradouras, pois o interesse maior estava voltado para os engenhos e produção açucareira para seu comércio global. Aventureiros franceses, aspirantes a uma França nos Trópicos também transitaram por aqui. Entretanto, sem maiores conquistas e sem imprimir marcas expressivas sobre o território, a cidade, o urbano e o cultural. Embora demandem estudos elucidativos, ao se que indica, as principais marcas da passagem francesa pela Parahyba se resumem a ardilosas camaradagens com os indígenas, à pilhagem de pau-brasil e aos enfrentamentos e traições que a história registra.

Das Ordenações Reais portuguesas e do Sumário das Armadas vinham recomendações gerais que à época da fundação da cidade da Parahyba (1585) orientavam o “modus português” de implantar cidades e vilas litorâneas mundo a fora. Por essas recomendações, a localização das cidades deveria recair, de preferência, sobre sítio de relevo em dois níveis, que se mostrasse em condições de favorecer, na parte baixa, a construção de forte, ancoradouro, armazéns, alfândega, cadeia pública, galpões comerciais e outros. A parte alta estaria reservada a áreas residenciais, arruamentos generosos, vegetação com a capacidade de amenizar as condições do clima e propiciar embelezamento natural, e por sua localização garantir segurança aos que aí se estabelecessem.

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Cais do Varadouro e instalações alfandegárias, vistos do rio Sanhauá, com a torre da igreja de S. Pedro Gonçaves ao fundo
Os portugueses encontraram pronto, às margens do Rio Sanhauá, um sítio que se encaixou perfeitamente neste receituário. E este foi, sem dúvida, o roteiro seguido para a criação da Cidade Real de Nossa Senhora das Neves (1585), depois nominada Filipeia de Nossa Senhora das Neves no período espanhol (1588), Cidade de Frederico ou Frederickstadt, durante a ocupação holandesa (1630-1654), Paraíba do Norte (1654) e João Pessoa, pós 1930.

A abordagem de alguns pontos, a seguir, ancora-se na análise de Plantas da Cidade, elaboradas em épocas diferentes, que me deram subsídios para avaliar pelos intervalos de tempo de sua execução, como o crescimento & desenvolvimento de João Pessoa teria repercutido sobre seu núcleo inicial, o Varadouro.

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Antiga estação de tratamento de esgotos
O argumento mais claro é o de que à medida que o crescimento da cidade foi ocorrendo, século a século, o Varadouro foi perdendo seu papel, até se transformar nessa sorte de paisagem arrasada, em alguns locais, pelo esvaziamento de atividades e funções e pelo consequente abandono e deterioração do patrimônio arquitetônico que a dinâmica urbana lhe impôs.

Qualquer organismo vivo sofre alterações quando lhe faltam energias necessárias à sustentação de todos os seus membros. Na visão do suíço-francês Le Corbusier (1887-1965), notável pensador do urbanismo, a cidade, como tal, funcionaria deste modo. Se faltarem as “energias” necessárias para que uma determinada área da cidade continue fortalecida, funcionando no mesmo pé de igualdade que as outras, esta se deteriorará, com certeza.

No Varadouro, o exemplo basilar de alteração que modificou seus rumos terá sido a longa agonia do Porto do Sanhauá, a caminho de sua derrocada, em 1935; a migração de atividades portuárias para novo porto no mesmo rio, deixando o porto velho e a cidade para trás, sem qualquer contrapartida compensatória; as ineficazes intervenções visando à revitalização, preservação e uso sustentável do patrimônio construído; as esporádicas, tímidas e pontuais intervenções no sentido de evitar que o bairro, cada vez mais, se “desintegrasse da cidade”, dentre outros.

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Alphabet
A construção da Estação Rodoviária ali, não cumpriu o papel para o qual foi projetada e hoje já se percebe sua incapacidade de atender adequadamente às demandas crescentes. Por melhor intenção que se tenha tido, as intervenções pontuais de recuperação física de alguns blocos de imóveis antigos, também não se refletiram como se pensava. Um primeiro flash de como era a cidade, dois séculos depois de sua fundação, nos é dado pela planta de 1858, de Alfredo de Barros, instrumento que modificado por Alberto Souza e Wilnna Vidal (2010) evidencia a evolução espacial, o ordenamento viário, as áreas habitadas e a localização das principais edificações que a cidade de então apresentava e cuja população era ainda bem pequena. Esta planta, de 1858, se torna muito importante por apontar, pela primeira vez, para onde o crescimento da cidade se orientaria. Quais seriam as novas centralidades. Quando a solicitou a Alberto de Barros, Beaurepaire-Rohan tinha planos de sanear, arruar e embelezar as encostas e áreas alagadas do Varadouro, de modo a que se implantasse ali uma urbanização de qualidade.

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Planta da cidade da Paraíba, elaborada por Alberto de Barros em 1858
Colorização e informações sobrepostas: ALCR
Será por esse tempo que o Varadouro começa a perder o caráter de cidade e a se transformar em bairro. Até então, o Varadouro era núcleo único e conformava a cidade inicial, o todo urbano até ali existente. Será pela expansão da cidade e pela perda de unicidade espacial que ele regride à condição de bairro e perde a hegemonia que detinha.

A partir desse momento, a linha que mantinha a cidade ainda presa às áreas de beira-rio (cidade baixa) e às testadas íngremes e altas do planalto (Cidade Alta), a cidade começará a se deslocar e a se projetar em várias direções, dando início a um processo evolutivo que levará, em futuro, à formação de novos bairros, ou novas centralidades urbanas como já anteriormente exemplificado.

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Lagoa dos Irerês, atual Parque Solon de Lucena ou, simplesmente, "Lagoa"
Com o saneamento de áreas insalubres, a região da Lagoa dos Irerês e seus arredores logo vão deixar de ser empecilho à expansão urbana e os caminhos para a Torre, Mandacaru e Tambaú, direção leste, e a estrada de Trincheiras e Cruz das Armas, direção sul, começam a puxar o crescimento no sentido dos pequenos aglomerados que aí já se formavam.

Um segundo flash da cidade, baseado na planta de 1889, de Vicente Gomes Jardim, também modificada por Alberto Souza e Wilnna Vidal em 2010, mostra a cidade com uma malha viária já bem mais adensada, apresentando menos espaços vazios e exibindo um crescimento que já se ampliara até as imediações da Lagoa dos Irerês e que se encorpou na direção de Tambiá, Torre, Trincheiras e Jaguaribe. Ou seja, dá-se início a uma urbanização para além da Cidade Alta e da Lagoa, abraçando áreas de suas proximidades.

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Trabalhos de abertura da Avenida Epitácio Pessoa, atualmente a principal artéria da capital da Paraíba
O terceiro flash da cidade ao qual quero me reportar se baseia na Planta da Cidade da Parahyba, de 1923, elaborada por Otto Kuhn e a partir da qual Alberto Souza e Wilnna Vidal apresentam também versão por eles modificada. Neste momento, a expansão no entorno da Lagoa já amplia em muito a área física da cidade, praticamente dobrando a existente em 1889. Estas serão áreas predominantemente residenciais, salvo um ou outro equipamento público como o Instituto de Educação, o Lyceu Paraibano logo depois, e a Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Nessa zona o paisagismo começará a ganhar força, dando lugar a que mais tarde sejam construídos os parques da Lagoa e da Bica. Um quarto flash da cidade vem da planta elaborada pelo Departamento Estadual de Estatística (DEE), em 1940. Aí vamos encontrar a cidade em estágio de acentuada expansão física.

De pronto, no entanto, quero fazer referência aos planos Beaurepaire-Rohan (1857), Saturnino de Brito (1913) e Nestor de Figueiredo (1936) que a meu ver apontam para um conjunto de medidas
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Projeto de Saturnino de Brito para a capital da Paraíba, então denominada de Parahyba de Norte ▪ 1913
que tiveram reflexo sobre o crescimento e estruturação da cidade, dado que as novas centralidades começaram, de fato, a se formar, distanciadas da área confinada da qual tenho aqui tratado.

De Beaurepaire-Rohan (1858), a visão de futuro, a definição dos arruamentos, o embelezamento, e uma antecipação no trato das questões ambientais. De Saturnino Brito (1926), a modernização da cidade a partir da implantação de um sistema de águas e saneamento e de paisagismo que traria em si os reflexos da modernidade higiênica, com raízes no urbanismo europeu, empregado por Georges HAUSSMANN (1809-1901) na reforma da cidade de Paris e de alcance sobre o Rio de Janeiro e Santos, principalmente.

De Nestor de Figueiredo, um pouco mais tarde (1936), um plano que proporá um novo delineamento com vistas à orientação da expansão da cidade para o entorno da Lagoa dos Irerês e para a Torre, a indicação de Cabedelo como área onde o novo porto deveria se instalar, a antevisão de novas centralidades.

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Projeto de expansão de João Pessoa, elaborado por Nestor de Figueiredo em 1936
Informações sobrepostas: ALCR
Esta evolução repercutiu sobre o Varadouro. O Plano de Beaurepaire-Rohan, infelizmente, não viabilizado, seria o início de uma urbanização saneadora e paisagística ali necessária. Os Planos de Saturnino de Brito e Nestor de Figueiredo, executados parcialmente, vão impactar a cidade em definitivo. A valorização paisagística, o “saneamento saturniniano” e o “plano urbanístico nestoriano” irão propiciar a ocupação de novas áreas, e o protagonismo do Varadouro se vê cada vez mais afetado, em processo assemelhado ao que vem se dando nas últimas décadas, com abalos ao protagonismo do Centro, em detrimento da conurbação da orla, da Penha a Cabedelo.

Já bastante afetado com a transferência do porto e com a expansão da cidade para a área de planalto, lá atrás o Varadouro já começara a viver tempos difusos. A linha que o confinava se rompeu. Daí em diante, a expansão urbana vem se dando continuamente, em especial, a partir das primeiras iniciativas mais pesadas de produção do capital imobiliário, decorrentes da iniciativa privada e de políticas públicas de habitação, por força do aumento da população e da demanda por habitação, cuja implantação foi indutora da expansão da sua área física da cidade, com os Castelos Brancos,
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Rua Cândido Pessoa ▪ Varadouro ▪ JP
Mangabeiras, Valentinas, Costa do Sol, José Américo, Cristo Redentor, Ernesto Geisel, e outros tantos.

Em meio a tantos questionamentos com relação à deterioração da Cidade Baixa e Cidade Alta, dados que importam. O bairro está doente, maltratado, com casas e prédios em ruína, terrenos em abandono, mas está vivo e é servido por bons eixos de circulação e outras infraestruturas que possibilitam reviravolta.

Argumentos e justificativas convincentes para a revitalização do bairro são a população e os números referentes às suas atividades econômicas licenciadas (AELs), categoria utilizada nos estudos de FALCONI e outros (PPGEU-UFPB, 2009), que aqui por questões práticas represento por sigla.

Por estes estudos, o Varadouro ocupa a 7ª posição sobre um universo de 14, dentre bairros com maior número de AELs: 2.871 licenciamentos comerciais, industriais e de serviços. Esta posição é estimuladora, levando-se em conta que o Centro, territorialmente vizinho, é o primeiro desse ranking com 12.175 AELs; e que o segundo e o quarto colocados (Torre e Jaguaribe) são bairros confinantes que juntos somam 9.409 AELs, totalizando 21.584 AELs.

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Rua Cândido Pessoa ▪ Varadouro ▪ JP
Apoiado em dados inéditos e de alto valor para o planejamento, elaborados pelo citado autor e participantes (2009), no âmbito de estudos sobre centralidade urbana na cidade de João Pessoa, observo que os bairros contíguos do Varadouro, Centro e Torre formam no mapa da cidade “uma grande mancha de AELs” à qual se podem agregar também os números do limítrofe Jaguaribe, detentor de 3.813 licenciamentos. Juntos os 04 bairros seriam detentores de cerca de 70% das AELs da cidade de João Pessoa.

A população residente do Varadouro, segundo os mesmos estudos, é de 3.750 habitantes, número mais ou menos equivalente ao estimado de trabalhadores de fora do bairro que a ele acorrem, diariamente, em razão do seu local de trabalho.

O Varadouro, dentre 59 bairros oficiais da cidade, está entre os 07 menos populosos. Mas o fato, a meu ver, e ao contrário do que se imagina, não representa empecilho a projetos de revitalização, em razão
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Travessa do Milagre
de que não é numerosa a quantidade de residentes permanentes a integrar ou realocar, caso proposta ad hoc, transparente e participativa defina como necessário.

Assim, o Centro ampliado de João Pessoa, apesar de alguns evidentes testemunhos de decadência física, forma dentro da cidade, pelos critérios ora abordados, uma ampla área de concentração de AELs, o que se reforça ainda mais, quando se tomam em conjunto os dados dos 04 ranqueados citados. Com isso, temos somente nesta “grande mancha de negócios”, uma concentração de cerca de 70% das AELs da cidade. O planejamento urbano haverá de ter olhos que se voltem para este espectro. Nenhum desses bairros se desenvolverá sozinho. A integração de interesses, as trocas, a sinergia de atividades e propostas é essencial para o desempenho individual e coletivo de todos eles.

Atualmente, segundo estudos do mesmo Paulo Augusto FALCONI e outros, disponibilizados em Vitruvius, através das publicações: 01. Centralidade urbana na cidade de João Pessoa-PB; 02. Uma análise dos usos comerciais e de serviços entre o centro tradicional e o centro seletivo 1970/2006; 03. Metamorfose dos centros urbanos: uma análise das transformações na centralidade de João Pessoa, o Centro, com 12.175 unidades cadastradas é o bairro com a maior quantidade de AELs na cidade, e segundo dados do mesmo universo estudado, este desempenho corresponde a cerca de 20% das AELs da cidade. Juntados os números de Varadouro, Torre, Jaguaribe e Centro, os quatro seriam detentores de algo próximo de 80% dessas AELs, em comércio, indústria e serviços, concentrados numa mesma “mancha urbana”, o que vai ao encontro dos pleitos de revitalização do Varadouro.

A meu ver, estes são números que falam por si e despertam a pesquisa, o planejamento, os estudos e as possibilidades. Avante! O Varadouro não está morto!

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  1. Sempre um prazer ler seus escritos. Abordando a profundidade com leveza e acalentando nossos corações, pois se há um sonhando e postando seu sonho, pergunto: para quem encaminhar ?
    O alinhamento dos argumentos de diversas ordens apontam uma geografia robusta e que também precisa chegar às escolas. Se as cabeças de agora que estão neste poder que inverte valores, pergunto: por que não investir nas novas possibilidades pensantes e , quiçá, mais sensíveis?

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