Como é que não contemporâneos resolviam o problema do consumo de água potável, e do uso doméstico em geral, no porvir de nossas cidades...

Fontes, bicas, chafarizes e cacimbas, na formação urbana de João Pessoa

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Como é que não contemporâneos resolviam o problema do consumo de água potável, e do uso doméstico em geral, no porvir de nossas cidades coloniais e até mesmo em tempos republicanos não tão distantes, pois água encanada e esgoto são serviços essenciais que as governanças públicas envolvidas têm retardado, em demasia, a oferecer com suficiência e qualidade, às populações aglomeradas de todas as classes sociais e cidades do país? Pela magnitude do problema, meu questionamento poderia ser absurdo, mas não é.

Segundo relatórios ONU/OMS (2017), 2,1 bilhões de pessoas no mundo não têm água potável em casa e mais do dobro não dispõe de saneamento seguro – o que equivale a quase dez vezes a população do Brasil – sem acesso a água segura e de qualidade.
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Bory67
No Brasil, só nos últimos anos, é que uma proposta de Emenda à Constituição (PEC 6/21), já aprovada na Câmara dos Deputados chega ao Senado propondo que a água potável seja incluída como direito e garantia fundamental do homem.

Com finalidades as mais diversas e recortes diferenciados, identifiquei vários autores locais que estudaram o tema definido como título deste ensaio.

Fiz levantamentos, li e anotei, objetivamente, o que me interessou dessas robustas fontes, composta por artigos, dissertações de mestrado, teses de doutorado e trabalhos técnicos, cujos autores estão relacionados, a seguir, de acordo com o ano em que foram produzidos: W. RODRIGUEZ (1952); W. AGUIAR (1992); Emilson PONCE (2000); André CABRAL (2006); Moura FILHA (2010); Magno Erasto de ARAÚJO (2012); Clóvis DIAS (2013); Carlos F. ALBUQUERQUE (2015); Bruno E. SOARES (2016); Maria C. CAIRES (2016); Ana Beatriz LEITE et allii (2019), dentre outros que com certeza existem.

Com maior ou menor profundidade, todos estes autores abordam o papel do abastecimento de água potável de João Pessoa, na construção inicial da cidade, quando ainda era tímido o conjunto das suas demais infraestruturas. Os registros sobre o abastecimento de água da cidade, no início do século XIX, aludem ao fornecimento através de fontes, bicas, cacimbas e chafarizes. Tal abastecimento provinha de mananciais públicos e particulares, naturais ou produzidos, de maior ou menor capacidade, e o transporte da água era feito por animais ou por indivíduos,
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em barricas de madeira, “latas de flandres” ou “latas de zinco”, para entrega de porta em porta, mediante pagamento de taxas.

Assim, ao curso da história da cidade, fontes, bicas, cacimbas e chafarizes foram, paulatinamente, sendo instalados, de forma programada ou espontânea, pelo poder público que agia quase sempre a reboque das demandas, ou por particulares, que sempre ávidos em suprir suas necessidades mais básicas, iam tomando iniciativas, visando a esta prestação de serviços, mesmo em locais mais distantes do centro da cidade, como na Ilha do Bispo, Trincheiras, no Jaguaribe, Torre e Mandacaru, dentre outros.

Ao que pude observar, em razão dos totais de população e da sua distribuição no espaço urbano, à época, a contrapartida do número de fontes e congêneres existente em João Pessoa, indicava que a população era razoavelmente atendida. Este atendimento, porém, era caro e, por vezes, bastante incômodo para a população mais sofrida, em razão do pagamento de taxa, da demora na entrega nos locais mais distantes e da qualidade da água.

Colhi que em todo o período colonial e em parte do período republicano até à chegada da “água encanada”, digamos que de 1639 a 1912, uma malha foi sendo formada em razão da distribuição espacial desses equipamentos, de modo a que nesse extenso período de tempo construiu-se a seguinte territorialidade:

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Fonte do Tambiá, Séc. XIX
[... 01. Bica do Tambiá situada no denominado hoje Parque Zoobotânico Arruda Câmara, construída entre 1908-1912; 02. Fonte Gravatá, situada em domínios do Mosteiro dos Beneditinos, edificada entre 1781 e 1784. Informações dão conta de que o erário e a população se uniram para este projeto. 03. Bica dos Milagres, existente desde 1692. Situava-se na Ladeira do São Francisco e sua frente emparedada ainda pode ser vista na Rua Augusto Simões, antigo Beco dos Milagres; 04. Chafariz e cacimba do Mandacaru situavam-se na Estrada de Mandacaru, atual Avenida Desembargador Botto Menezes; esta, uma continuidade da Estrada de Tambiá, atual Avenida Monsenhor Walfredo Leal. 05. A cacimba de José Holmes situava-se na Rua Desembargador Trindade, anteriormente chamada de Rua da Gameleira; 06. A cacimba do Dr. Cícero Brasiliense de Moura situava-se na Rua Vidal de Negreiros, anteriormente chamada de Rua da Tesoura; 07. A cacimba de Joca Marinheiro localizava-se na Rua 13 de Maio, anteriormente chamada de Rua da “Lagoa da Frente”; 08. A cacimba de Manuel Lopes de Melo situada na Rua Nova da Lagoa, anteriormente, chamada de Rua da “Lagoa Detrás”; 09. A Cacimba do Povo que se localizava no caminho em que estava a cacimba, hoje, denominado Rua Rodrigues Chaves; 10. A cacimba de Maroca Estrela localizada na Rua das Trincheiras; 11. A cacimba do Dr. Belino Souto situada na Rua da Palmeira, atual Rua Rodrigues da Aquino; 12. Chafariz na esquina da Avenida 1º de Maio com Alberto de Brito. 13. A Fonte de Santo Antônio, construída em 1717, situada aos fundos do terreno da Igreja do São Francisco; 14. Bica da Maria Feia situada ao lado do Sítio Rio do Peixe na entrada para o bairro do Mandacaru; 15. A Bica de Santo Antônio, edificada em 1717, se situava nos terrenos do Convento e era privativa dos religiosos...].

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Fonte de Santo Antônio ▪ Acervo P. Souto
Outros chafarizes e cacimbas poderiam ter sido aqui relacionados e trazidos para esta abordagem. Não o foram pelo entendimento de que com esta amostra o sujeito de estudo já está tecnicamente representado.

Ao que posso deduzir, o Relatório da Armada, instrumento que a Corte Portuguesa utilizava para, através de estudos prévios, determinar a localização de um sítio urbano, definiu acertadamente, mais de 400 anos atrás, o local de implantação da futura cidade de João Pessoa, à margem de um rio, com área para pequeno ancoradouro, carga e descarga de mercadorias e garantia de segurança por ter uma colina próxima e água potável para os habitantes do novo lugar, por muitos e muitos anos.

Segundo observa o geólogo Magno Erasto, “a existência de uma falha geológica perpassando os limites entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa explica as singularidades do sítio e responde pela grande quantidade de calcários aflorantes e fontes de água potável existentes nas encostas do morro. É no entorno desta elevação, com cota topográfica entre 16 e 18 metros, que se posicionam as seis principais fontes que abasteceram a cidade por mais de 300 anos,
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Fonte dos Milagres ▪ Acervo Iphan
que são: a Bica da Maria Feia, a Cacimba do Povo, a fonte dos Milagres, a fonte de Gravatá, a fonte de Tambiá e a fonte de Santo Antonio”. Sobre estas fontes, excepcional iconografia ilustrativa foi reunida por André CABRAL, em Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Curso de História, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, em 2006.

É bem verdade que a modernidade recente trouxe avanços sociais, administrativos e tecnológicos extraordinários ao setor de abastecimento de água potável. O país, por um lado, evoluiu bastante no quesito água tratada, encanada e distribuída à população, mas por outro, ainda não se produziu o necessário. Enquanto moradores de prédios de 40-50 pavimentos veem sua água chegar sem percalços ao último andar, lá na ponta do bairrão, na moradia de baixa renda, na invasão, ao rés do chão, a água potável nem sempre chega. No passado, as cacimbas, grandes coadjuvantes do sistema de abastecimento de que estamos tratando, notadamente em áreas de periferia, tinham donos que vendiam água a quem necessitasse. No caso de João Pessoa, com exceções, o poder público concentrava seus esforços no atendimento ao centro da cidade e aos de maiores posses. Os particulares, através dos seus aguadeiros, cobravam o valor da água, acrescentando taxas de transporte e pequeno valor pelos serviços que estavam prestando.

No país, ainda existem muitas cidades e bairros desprovidos deste bem essencial chegando às próprias casas. Os números revelam que cerca de 30 milhões de pessoas vivem sem acesso à água tratada e que somente 50% das cidades do País têm esgotamento sanitário (in Jornal do Senado, edição do dia 22 de março de 2022 – Dia Mundial da Água). Este é, com destaque,
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um problema que ainda perdura nas nossas grandes cidades, nas nossas metrópoles brasileiras, nas nossas cidades de médio e pequeno porte, na atualidade. Segundo o mesmo veículo, estudos de 2022 apontam que a ”falta de saneamento prejudica mais de 130 milhões de brasileiros, e que cerca de 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto, resultando em doenças que poderiam ser evitadas, e que podem levar à morte por contaminação”.

Mas, a propósito deste assunto de estudo, jamais vou esquecer o alvoroço que minha revelação causou em sala de aula, na Universidade de Paris, em 1989, à ocasião da apresentação de seminário escolar sobre a questão, quando joguei no ar a informação de que no Brasil, naquele momento, havia ainda muitos bairros de cidades grandes, muitos bairros de cidades menores, muitas cidades de médio e pequeno porte, muitas comunidades e aglomerados rurais inteiros, que não dispunham de água potável ou encanada em suas casas. E completei: “e há lugares em que nem água e nem torneiras existem”, falei-lhes, com certo pudor, reproduzindo frase de entrevistados, pois o meu propósito era apenas o de ser realista e não simplesmente um crítico do país, naquele momento.

Os alunos europeus da turma, em geral moços e moças de pouca idade, de pouca leitura especializada e muito desconhecimento de outras realidades, notadamente a de países em via de desenvolvimento, se mostraram escandalizados, bem ao estilo francês e europeu jovem de ser: “se escandalizam, protestam, mas não se comprometem”. Não passam disso. Lembro-me bem de que da minha turma de 12 alunos de doutorado, só um colega de Burkina Fasso, outro do Gabão,
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outro da Tunísia e eu, brasileiro, tínhamos idade superior aos demais. Oito deles, entre homens e mulheres, tinham idade que variava entre 22 e 25 anos.

Paloma Villalobos, uma linda colega andaluza de 22 anos, de família abastada de Almeria, ligada à produção de vinho, ficou indignada com a minha informação, durante semanas, porque “não lhe passava pela cabeça a ideia de que pudesse existir, en el mundo, alguna vivienda [como falava ela, em pronúncia bilabial sensualizada, cortando as palavras com a ponta da língua em cima dos dentes], sem água, luz, esgoto, telefone, até mesmo no campo, quanto mais em cidades”. Naquela hora, a colega me pareceu toureira brava. Nesse tempo a internet apenas engatinhava. As informações ainda não corriam como hoje. Talvez por esse mecanismo, ela pudesse ter tido antes mais informação sobre tal tipo de questão.

No período colonial brasileiro, até 1889, e no republicano, até o final dos anos de 1912, a cidade de João Pessoa tinha seu serviço de abastecimento de água potável quase que completamente dependente de fontes naturais ou bicas, chafarizes e cacimbas, salvo voluntariosas exceções como a do pequeno sistema que Beaurepaire instalou ao construir um poço e uma caixa d’água na Mata do Buraquinho (1858), à margem da Estrada dos Macacos [hoje Avenida Pedro II], e canalizar a água com o fim de abastecer, minimamente, o Palácio do Governo e edificações públicas próximas. Este sistema logo colapsou.

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Mata do BuraquinhoGov PB
Anos mais tarde, o engenheiro Saturnino de Brito (1924) constrói bem projetado e eficiente sistema na Mata do Buraquinho, com a perfuração de poços que, algumas décadas depois, já eram insuficientes para atender à demanda da cidade que se expandia. Com renovações e adequações técnicas, o sistema implantado na Mata do Buraquinho, ainda hoje complementa os serviços do sistema CAGEPA.

Até então e mesmo posteriormente, a população mais abastada continuou sendo servida por aguadeiros que, contando com animais e carroças coletavam, transportavam e faziam a entrega da água porta a porta. Os menos endinheirados eram servidos por carregadores individuais que, com uma travessa de madeira aos ombros e “latas de flandres” ou “latas de zinco” penduradas em cada uma das extremidades, cheias de água, as vendiam aos interessados. E, os ainda menos endinheirados, utilizando as mesmas “latas ou cabaças”, na cabeça,
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iam às fontes e cacimbas para colher a sua própria água, quase sempre pagando algo por ela. Os bairros fora do circuito central eram servidos por poços e cacimbas próprias, ou de vizinho que passavam a vender água.

Se nos detivermos sobre a espacialidade que envolvia a localização das principais fontes deste sistema primitivo de abastecimento urbano, considerando-se o tamanho da cidade e da população a que serviam, vamos ver que mesmo sem um planejamento prévio, o sistema apresentava uma “territorialidade espontânea” que mostrava as fontes localizadas, relativamente, não tão distantes dos usuários. Assim, a água procedente de qualquer uma delas podia chegar de forma não muito demorada às casas dos consumidores.

Se buscarmos uma representação cartográfica do fenômeno que aqui estamos analisando, a carta elaborada pelo pesquisador Magno Erasto, no âmbito de sua tese de doutorado, é um instrumento excepcional. No corpus da tese, o pesquisador elaborou importante mapa de posicionamento das fontes (2012), situando-as e dando destaque à localização de 07 principais: a. Fonte dos Milagres; b. Fonte de Santo Antonio; c. Fonte do Tambiá; d. Biquinha da Maria Feia; e. Cacimba da Jaqueira; f. Fonte do Gravatá; g. Cacimba do Povo, região onde estava concentrada a maior parte da população da cidade.

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Mapa da Parahyba do Norte (= João Pessoa) ▪ Fonte: Magno Erasto, 2012
É importante situar que uns poucos estudiosos, dentre os quais puxo fila, identificam certa correlação entre a origem do Parque Arruda Câmara e a necessidade de consolidação do antigo sistema de abastecimento de água potável da cidade baseado em fontes e bicas, à época.

Pensada ou não, a construção da Bica ou Fonte Tambiá foi estratégica. O equipamento indispensável para auxiliar no provimento de água potável para população, entre os séculos 18 e 19, precisava de local protegido e não contaminado. A presença da Bica no Parque Arruda Câmara, a preservação de chácaras e sítios próximos, possibilitando, posteriormente, que alguns destes fossem incorporados ao parque que hoje conhecemos, foram ações deveras importantes.
Parque Arruda Câmara (Bica)
Com certeza, esses aspectos levarão a que se conheça de forma mais aprofundada a real história dessa fonte encravada no coração do Parque Arruda Câmara e a que novos estudiosos se ocupem do assunto.

De acordo com este ponto de vista, é dado afirmar que até já teria sido neste contexto que se deu a edificação da Fonte do Tambiá, que depois de projetos e reformas viria a se transformar em importante marco arquitetônico do atual Parque Zoobotânico Arruda Câmara. Esta edificação se arrastou desde o início do século XVII, devido a situações internas e a crises econômicas e políticas, decorrentes de querelas fiscais entre as Capitanias da Paraíba e Pernambuco, consumindo décadas até ser concluída.

Na verdade, o equipamento, pelo conjunto da sua arquitetura, se transformou em monumento histórico de grande valor. O formato era de um quadrado murado de pedra em cornija, ficando a superfície das águas abaixo do nível da rua, e tendo torneiras de bronze com lavores nas três faces das paredes de leste, norte e sul. O paredão a oeste, servindo de frontão mais elevado, ostentava as armas imperiais, em pedra de cantaria. “Neste paredão, foram colocados canos de esgoto das águas servidas”, comenta o Professor Magno Erasto.

O Bairro Tambiá, no início do século XX, quando a cidade ainda contava com poucos bairros e seu número de habitantes era reduzido, chegou a ser o mais populoso.
No entanto, é preciso destacar a precariedade das condições de vida àquela época. Afirma-se que os habitantes tanto se abasteciam, como se banhariam nas mesmas fontes ou cacimbas, sem a observação de normas públicas de higiene. Numa antecipação de questões ambientais e da higiene, “e quando a maior parcela das fontes da cidade de João Pessoa ainda não se achava edificada, por volta de 1731, já se tinha notícia de documentos que circulavam junto à população, solicitando providências para evitar o arruinamento das fontes, ruas públicas, cadeia, casa de açougue, e do porto ou cais do Varadouro”.

Em meados do século XVIII (1756-1799), as Capitanias da Paraíba e Pernambuco entraram em crise econômica e em crise de autonomia política, o que dificultou a edificação, reconstrução ou reparos das fontes locais para a melhoria da cidade. Por esses empecilhos, a Fonte do Tambiá ficou sem conservação por prolongado período, assinala Moura FILHA (2010).

Segundo Guedes Pereira (prefeito da cidade da Paraíba, de 1920 a 1924):

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Walfredo G. Pereira
“as fontes se configuraram até os primeiros anos da década de 1910, como as únicas e principais formas de abastecimento da capital. Com a era higienista e a difusão dos princípios, administradores públicos passaram a mostrar-se mais preocupados com os sistemas de abastecimento d’água da cidade como um todo e a Fonte do Tambiá, a mais admirada, e muito utilizada, passou a ser alvo de cuidados especiais e a contar, nesse período, com verbas públicas para a sua manutenção”.

Pelo que verifiquei, vários autores especularam com relação à origem de nome “Tambiá” dado à fonte. A principal referência, no entanto, é sempre Walfredo RODIGUEZ. Ninguém vai além dele. Muitos abordam o assunto, mas sem nada acrescentarem ao que ele falou no livro Roteiro Sentimental de uma Cidade, publicado em 1ª edição, em 1962, inclusive AGUIAR (1935-2014).

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Fonte do Tambiá, Séc. XIX
Sensível aos aspectos culturais, Walfredo RODRIGUEZ, em busca de uma representação simbólica, imaterial, prefere optar por valores provindos das lendas dos povos indígenas e não da igualmente cultural significação linguística do termo, propriamente. Para isso, nos legou a “narrativa da propagação do perfume” para explicar a propagação do nome Tambiá, e em outra situação, a narrativa da “lenda do amor proibido entre a índia potiguar Aipré e o guerreiro cariri de nome Tambiá”.

Numa certa “licença poética”, tomei as narrativas de RODRIGUEZ e as reescrevi à frente, visando a preservar suas afirmações:

[...Rodriguez (1893-1973) – Narrativa I: “Muitas vezes as lendas são mortas pela História, embora a sensibilidade popular as guarde, tempo a fora, como aquela fragrância esquisita que impregna de perfume um velho lenço que se usou”. É o que Rodriguez observa neste caso, pois, além de dar nome à fonte, Tambiá denomina também um dos mais tradicionais e antigos bairros da cidade, o Bairro de Tambiá. Tambiá, por muitos anos deu nome também à rua, logradouro assim caracterizado em razão do percurso que a população fazia, de suas casas até a fonte, à busca de abastecer-se de água. No imaginário, estes elementos seriam o perfume Tambiá se propagando...].

[...Rodriguez (1893-1973) - Narrativa II (reproduzida por Aguiar (1992): “A linda virgem potiguara Aipré, filha de morubixaba se apaixonou por um guerreiro inimigo chamado Tambiá, corajoso índio cariri, dos lados da Serra da Borborema. Tambiá fora aprisionado pelo pai de Aipré, que o deu à filha como esposo, antes da morte iminente que já o espreitava. O valente Tambiá, no entanto, estava ferido, e nem a medicina do pajé potiguara conseguiu salvá-lo. A linda Aipré, com o coração ardente de amor, nada pôde fazer. Tambiá acabou morrendo em seus braços. Ela então permaneceu junto à sepultura do amado durante cinquenta luas, chorando por todos esses dias. Suas lágrimas deram origem a uma fonte, que tomou o nome de Tambiá” em homenagem ao seu amado...].

Quanto ao Bairro Tambiá, este, no início do século XX, quando a cidade ainda contava com poucos bairros e seu número de habitantes era reduzido, chegou a ser o mais populoso da cidade. A essa ocasião se tomou precaução para evitar que antigos sítios e chácaras próximas ao Parque dessem lugar à construção de grandes residências, do tipo ainda encontrado no bairro, e que pudessem afetar condições ambientais. O certo em tudo isso, e o que se presume é que a fonte é que veio primeiro; é que deu nome à rua e ao bairro. Ela já existia antes dessas duas construções.

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J. PessoaAlphabet
Alega-se que limitações impostas pela economia local e por querelas fiscais entre Capitanias impediram que houvesse suficiência de recursos para as obras públicas da província da Paraíba, mesmo para aquelas essenciais como a Fonte do Tambiá, que garantiria o abastecimento de água à população. E não bastassem os tais momentos de crise econômica, tanto da colônia, quanto da Capitania da Paraíba, em 1756, o rei de Portugal Dom José, decidiu extinguir o governo da Paraíba, justificando a medida como uma forma de conter gastos da Fazenda Real, e como parte do seu projeto de centralizar em capitanias gerais a administração de outras de menor porte. Com prejuízos que estudos parecem ainda não ter se ocupado de forma mais abrangente, a Paraíba ficou submetida à tutela da Capitania de Pernambuco nesse período.

Apesar das especificidades e problemas apresentados por um sistema de abastecimento d’água rudimentar e de configuração arcaica, como o aqui abordado, em vista de como hoje se operam os modernos sistemas urbanos de abastecimento
Fonte do Tambiá
d'água domiciliar, identifico, mesmo assim, que se propagava uma visão, de certa forma agradável e romantizada ao redor dessas fontes e congêneres. Principalmente, com relação aos ambientes urbanos em que estas se localizavam. Eram locais para onde boa parte da população acorria, diariamente. Nesses lugares, tal era o vai e vem entre as pessoas, que esses repetidos encontros quase sempre resultavam em socialização espontânea e colaborativa.

Neste sentido, André CABRAL (2006) afirma que “as fontes d’água coloniais são mais do que lugares fornecedores de água potável, são também monumentos, locais de memória. Nelas, se entrelaçam os membros de uma sociedade em suas frágeis relações e separações”.

Nas impressões que colhi para produzir este ensaio, vi gente de mais de 70 anos, de olho brilhando, ao relembrar as peraltices vividas na juventude, um por morar próximo ao chafariz do seu inesquecível Jaguaribe, e o outro por morar ao lado do Chafariz do seu estimado Mandacaru.

O cronista inglês Henry Koster (1905-1988), por volta de 1810, descreveu com olhar crítico as contradições e singularidades da cidade da Paraíba de então, destacando nessa ocasião a beleza de suas fontes, e narrou assim o que viu: “as fontes públicas na Paraíba foram as únicas obras desse gênero que encontrei em toda a extensão da costa por mim visitada. Uma foi construída, creio que por Amaro Joaquim, governador recente; tem várias bicas e é muito bonita. A outra fonte que está se construindo agora é bem maior. A fiscalização das obras públicas era a melhor ocupação do Governador”, acrescentou KOSTER.


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