Quando Carlos Drummond de Andrade se despediu do Jornal do Brasil, em 1984, em que publicava crônicas desde 1969, pegou seus leitores de surpresa. Seus textos traziam um alento para quem os lesse. No nosso caso, somente ao final da tarde quando o jornal chegava por aqui.
Quase quatro décadas depois, mesmo que não seja uma despedida definitiva, mas uma limitação de publicações de suas crônicas, Gonzaga Rodrigues surpreendeu seus leitores dizendo que somente passaria a escrever aos domingos.
Quase quatro décadas depois, mesmo que não seja uma despedida definitiva, mas uma limitação de publicações de suas crônicas, Gonzaga Rodrigues surpreendeu seus leitores dizendo que somente passaria a escrever aos domingos.
Falando de si mesmo, a na última crônica publicada no JB, Drummond dizia: “E é por admitir esta noção de velho, consciente e alegremente, que ele hoje despede da crônica, sem despedir do gosto de manejar a palavra escrita, sob outras modalidades, pois escrever é a sua doença vital, já agora sem periocidade e com suave preguiça”. Assim como o poeta-cronista Drummond, na sua imensa sensibilidade para as coisas da vida e de tudo o que estava em sua volta, Gonzaga alegou o avanço da idade.
Gonzaga revelou, na crônica publicada em A União, que pensava em parar, passar à categoria de leitor diário de jornal, como tem feito durante mais de oito décadas. Ele manterá o espaço do domingo onde cultivará seu jardim imaginário.
Na crônica em que avisou sua decisão de parar de escrever para jornal, nosso cronista maior, que desde 1951 trava uma gloriosa luta pelas redações, tendo publicado sua primeira crônica em 1954, em O Norte, como o cronista Drummond também alegou a velhice. Enfim, caminha para 90 anos de idade, uma idade a pedir menos compromissos com datas. Citou a dificuldade de convivência com as novas linguagens das mídias, que são cada vez mais avançadas e o deixam distante de seu tempo.
Para nós que nascemos no cambão, dificilmente nos adaptaremos às máquinas invisíveis que povoam o mundo. A passos lentos, flutuamos pelas margens rasas dessa paisagem cibernética, mesmo sem entender o que significa “streaming”.
Trabalhando mais como cronista e menos como poeta, diferente de Drummond, que navegou por outras paisagens da literatura com a mesma maestria, Gonzaga durante mais de sete décadas transforma tudo em matéria de jornal, aborda nas crônicas os acontecimentos diários da vida paraibana, a paisagem urbana e rural, fatos históricos, políticos e sociais, vistos por um prisma onde a sensibilidade e a emoção predominam. No uso da linguagem coloquial, não somente jornalística, as crônicas de ambos atingem os limites do campo da boa literatura.
Do mesmo modo, como o poeta mineiro falou no poema Mãos Dadas, “o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes”, nosso cronista paraibano também trabalha com a matéria do presente, resgata a memória afetiva de sua terra e de sua gente, que é a memória de todos nós.
Em nove décadas de vida, Gonzaga já pode dizer, como o poeta de Itabira, que "a idade madura está em seus olhos, receitas e pés, que ela me invade com sua maré de ciências afinal superadas”. E que descobriu “na pele, certos sinais que aos vinte anos não via”.
Repito aqui as palavras do professor Milton Marques Júnior, quando tomou conhecimento de que Gonzaga decidiu ficar e continuar como colaborador de A União, publicando crônicas aos domingos. “Fique sempre, Gonzaga!” A teimosia dele é nossa recompensa porque fazem um bem enorme os passeios que damos pelas antigas paisagens urbanas da cidade que nos adotou, ou quando ele aborda as viagens imaginárias pelo nosso Brejo e arredores, em deliciosas crônicas-em-verso.