Depois de eleito para a Assembleia Constituinte, em 1848, Victor Hugo, no ano seguinte, é eleito deputado por Paris. Em 15 de janeiro...

Falta-nos uma grandeza moral

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Depois de eleito para a Assembleia Constituinte, em 1848, Victor Hugo, no ano seguinte, é eleito deputado por Paris. Em 15 de janeiro de 1850, ele faz um severo discurso na Assembleia Nacional, em prol da liberdade do ensino, de modo a retirá-lo das mãos dos religiosos, mas garantindo, aos que quisessem, a liberdade do ensino religioso, tanto quanto do ensino privado. A questão era exigir do Estado a garantia do ensino leigo e gratuito, começando no primário e se estendendo, pouco a pouco, de cidade em cidade, até o ensino superior, e, ainda que a obrigatoriedade
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Victor Hugo em 1851, durante discurso sobre a revisão da Constituição ▪ gravura de Fortune Meaulle, 1885
fosse apenas para primeiro grau, a gratuidade deveria ser universal:

"Um grandioso ensino público, concedido e regulado pelo Estado, partindo da escola do município e subindo de grau em grau até o Colégio de França, mais alto ainda, até o Instituto de França"
Écrits politiques,  Escritos políticos, em tradução nossa

Particularmente, o discurso se dirigia ao Partido Clerical, ao qual o escritor se opunha de modo intransigente, e via como um "sério perigo publico", ao denunciar os vícios e os danos de uma "educação da sacristia e um governo do confessional".

Em determinado momento, os gritos da parte do clero eleito se elevam mais alto do que a voz de Hugo (“Vocês me interrompem. Os gritos e murmúrios cobrem a minha voz. Senhores, eu lhes falo, não como agitador, mas como homem honesto”). O escritor, então, se dirigindo aos que o querem calar, lhes fala de modo categórico e irônico, apontando-lhes a contradição entre o que dizem e o que fazem:

"Senhores, vocês querem muito, é o que dizem, a liberdade de ensino; tomem a cargo  de querer um pouco a liberdade de tribuna".
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Victor Hugo em sessão na Câmara dos Deputados (Palais Bourbon), Paris ▪ gravura de Fortune Meaulle, 1885
Parece o que vivemos hoje no Brasil. Muitos dos que pregam a liberdade de expressão querem calar a voz dos discordantes. E quando são flagrados na contradição, distorcem os seus já frágeis argumentos, se assim podem ser chamados, e mudam de opinião... para continuar afirmando uma mentira. E a situação tende a piorar com um movimento muito claro em direção a delatar os que deles discordam.

Não sei em que ponto o denuncismo inquisitorial contra o vizinho foi incorporado e passou a ser considerado uma ação honesta e bem vista daqueles que preferem, por exemplo, a foto ao fato.

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Galileu é denunciado e acusado na Inquisição (1633) ▪ gravura do Séc. XIX
A realidade é  que estamos vendo a transformação de pessoas que querem justiça - quem quer que deva à justiça tem que pagar - em reles justiçadores. Bizarros monstros justiceiros, travestidos, com a fauce dos lobos e o index dos mouchards.

Falta-nos um Hugo para, na força de sua grandeza moral e intelectual, afirmar em alto e bom som:

"Eu sou dos que querem para este nobre país a liberdade e não a compressão, o crescimento contínuo e não o apequenamento, a potência e não a servitude, a grandeza e não o nada".
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Discurso de Victor Hugo no centenário da morte de Voltaire, celebrado em 1878 ▪ Theatre de la Gaité ▪ ilustração da revista Le Monde Illustré.
Entendendo por compressão o que Frank Laurent, estabelecedor do texto, apresentador e comentador explica: termo da época que designa o conjunto de procedimentos legais, chicanas administrativas e dispositivos ideológicos, com o propósito de colocar uma focinheira na livre opinião.

Grandeza moral que nos falta, quando, não faz muito tempo, assistimos a um ministro do Supremo acusar um outro, em plena sessão, de fazer chicanas, e nada ser feito ou apurado, continuando os dois nas suas respectivas funções. Vem daí, talvez, a nossa impotência diante do atual descalabro que, sem um projeto de Estado para a Educação, nos jogará sem piedade, na ignorância, a mãe de todas as misérias.

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  1. A censura deixou de ser camuflada. Hoje não disfarça e excluiu definitivamente aquele famoso dito de Voltaire ("Não concordo com nenhuma palavra do que dizeis..."). Parabéns, mestre pela costumeira lucidez.

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