Já adolescente, pude ver, sim, toda a cidade de Alagoa Nova numa lapinha geral, felizes todos, nem tanto pelos três Reis Magos, como pela adoração de todas as gentes, pobres e ricas, novas e velhas, todas como uma só criança. A cidadezinha inteira um presépio de peregrinos a darem trégua ao trabalho de fardos, fusos, pinhões e desfibradeiras para festejar o nascimento de Jesus. E, por que não dizer, o deles.
Com efeito, de um extremo a outro do município o povo havia nascido de novo. Do Riachão ao Queira Deus, de Aldeia Velha ao Juá, tudo era agave, um roçado do tamanho do mapa, transformando mulheres de trempe e lavagem de roupa, homens de outras lavouras e fazeres, em operários seguros da nova agricultura e nova indústria.
Dilson Santos
Os velhos caminhos sulcados pelas cargas de rapadura, pelas ancoretas de aguardente, agora despejavam cargas contínuas de fibra douradas de sisal em procura das ruas. A cidadezinha perdera o zunido de moscas pelo dos Chebas e Fords descendo a serra para apanhar o fermento de riquezas menos concentradas, mais bem distribuídas.
Dilson Santos
Na noite do Natal a rua não coube de festejos, das barracas de prendas às bancas e latadas, o vinho de caju e a gasosa tendo gasto. O grande, imenso pároco monsenhor Borges soltando o vozeirão de sua varanda contra a infestação do pecado que, a pretexto das festas religiosas, desbordava pelos bancos da feira, pelos becos escuros, sob as empanadas; as irmãs Colaço, filhas de Maria, vendo a hora as moças de família virarem estátua de sal.
No domingo, na missa das 10, a nave da igreja era toda a rua, os coroinhas levantando a céu aberto os incensos da celebração trescalados com os bafos gerais de zinebra e cachaça. “Para maior glória de Deus”- era o eco do altar que toda a rua entoava.
Dilson Santos
(A Lula e os que o empossaram)