A morte do meu marido fez com que eu descobrisse
o sofrimento. Sofri com a solidão, com a injustiça de
Deus ao tirá-lo de mim e de meus filhos. Sofri pela
revolta ao saber do nunca mais. Sofri por não saber
viver neste mundo sem ele. Sofri pelas lembranças
de tantos anos de abraços, beijos, de corpos tão
juntos, de tanto calor compartilhado. Sofri por um
tempo tão feliz.
Não queria que dissessem: "conforte-se, você teve uma vida tão boa ao lado dele". Não queria isso. Queria a revolta, queria xingar, esbravejar contra todos. Que não me viessem com palavras de conforto. Não viessem com frases feitas para amenizar o que estava sentindo. Não queria piedade da minha raiva. Não queria piedade do meu querer sofrer. Queria que me deixassem em paz para chorar quando sentisse vontade, fosse dentro do meu quarto, fosse na fila do cinema, fosse em minhas madrugadas insones.
Olhava para meu corpo desprovido dele e não descobria porque engordar ou emagrecer, porque prevenir rugas, porque não deixar que minha bunda caísse até o calcanhar e minha cintura arredondasse sem cessar. Quem poderia explicar por que meu peito endurecia de saudade e tinha horror de sentir isso e compreender que nunca mais a mesma mão passearia por meu corpo, que nunca mais minhas mãos entrariam em seus cabelos grisalhos, que nunca mais ouviria seu riso ou meu nome sendo sussurrado por ele. No entanto, o que mais me magoava era que nunca mais me veria refletida dentro dos seus olhos.
Queria paciência com este meu viver às avessas, com este tempo que definiram que deveria permanecer na terra até que alguém tivesse compaixão suficiente e me dissesse, venha, seu lugar é aqui, do outro lado, ao lado dele...
(Do livro “Tempo de contar telhas" a ser lançado pela autora)