Um dia Clodomiro chamou Heloísa e, sem mais nem menos, disparou:
⏤ Precisamos nos separar. Do contrário, o pessoal vai acabar nos censurando.
⏤ O quê?!
⏤ Somos casados há quase duas décadas. Isso não existe mais.
A mulher não conseguia entender: ⏤ Mas está tudo bem entre nós... Não temos nenhum problema sério.
⏤ Isso é o que você pensa. Esse tipo de raciocínio é fruto de acomodação. Nós nos acomodamos um ao outro e não percebemos.
⏤ Você se cansou de mim?
⏤ Claro que não, mas esse é o problema. A gente devia, depois de tantos anos, pensar em partir para outra. Persistimos numa relação que estagnou. Quem hoje poderia nos tomar como modelo? Somos um mau exemplo.
⏤ Puxa, não pensei que você sentisse essas coisas a respeito de nós ⏤ suspirou Heloísa, baixando os olhos.
⏤ Não sinto, já disse. Mas sabe por que não sinto? Porque a rotina da vida doméstica anestesiou meus sentimentos. Compreendi isso assistindo ontem à entrevista de uma terapeuta de casais. Nosso casamento perdeu o romantismo. Há quanto tempo não lhe dou uma flor?
⏤ Mas eu não preciso de romantismo a esta altura da vida! E você sabe que tenho alergia a flores... Na única vez em que me deu uma rosa, terminei arrancando as pétalas com os espirros.
⏤ Sei, sei. Mas isso não invalida o que estou dizendo. Usei a flor como símbolo. Para mostrar que estamos mesmo em crise.
⏤ Em crise?
⏤ Sim. Em crise... por ausência de crise. Precisamos ter a coragem de admitir isso e agir como pessoas modernas. Proponho que façamos uma viagem, mas não juntos. Cada qual vai sozinho... É hora de dar um tempo.
Heloísa percebeu que não adiantava discutir. Clodomiro se sentia defasado, tinha desenvolvido um complexo por não se comportar como os outros. A viagem poderia ajudá-lo a tirar essa ideia da cabeça. Assim mesmo ficou triste; afinal iam bem, há meses não discutiam nem brigavam... O marido falou que esse longo armistício era um sintoma da acomodação. Lembrou-lhe a letra de Dolores Duran: “...e já não temos nem vontade de brigar.”
Ficaram uns dois dias tratando dos preparativos, até que no terceiro Heloísa chamou Clodomiro e lhe disse:
⏤ Não entendo bem essa coisa de internet, por isso não estou conseguindo comprar a passagem. Você pode me ajudar?
⏤ Claro, mas só se você me der uma mãozinha com a mala. Não sei bem que roupas levar. Sempre tive dificuldade de escolher o que combina, e não quero fazer feio no lugar aonde vou.
⏤ E para onde você vai?
⏤ Para Camboriú.
A mulher riu: ⏤ Engraçado... Eu também reservei vaga numa pousada de lá.
⏤ “Paraíso das Águas”?
⏤ Essa mesmo. Será que lá ainda tem aquelas estátuas de anões no gramado, perto da piscina?...
O marido não respondeu. Depois de um breve silêncio, propôs:
⏤ Se vamos para o mesmo lugar, podíamos viajar juntos... Mas só viajar! Lembre-se de que estamos em crise.
E foi assim, meio fingindo o contrário, que partiram para a segunda lua de mel.
⏤ Precisamos nos separar. Do contrário, o pessoal vai acabar nos censurando.
⏤ O quê?!
⏤ Somos casados há quase duas décadas. Isso não existe mais.
A mulher não conseguia entender: ⏤ Mas está tudo bem entre nós... Não temos nenhum problema sério.
⏤ Isso é o que você pensa. Esse tipo de raciocínio é fruto de acomodação. Nós nos acomodamos um ao outro e não percebemos.
⏤ Você se cansou de mim?
⏤ Claro que não, mas esse é o problema. A gente devia, depois de tantos anos, pensar em partir para outra. Persistimos numa relação que estagnou. Quem hoje poderia nos tomar como modelo? Somos um mau exemplo.
⏤ Puxa, não pensei que você sentisse essas coisas a respeito de nós ⏤ suspirou Heloísa, baixando os olhos.
⏤ Não sinto, já disse. Mas sabe por que não sinto? Porque a rotina da vida doméstica anestesiou meus sentimentos. Compreendi isso assistindo ontem à entrevista de uma terapeuta de casais. Nosso casamento perdeu o romantismo. Há quanto tempo não lhe dou uma flor?
⏤ Mas eu não preciso de romantismo a esta altura da vida! E você sabe que tenho alergia a flores... Na única vez em que me deu uma rosa, terminei arrancando as pétalas com os espirros.
⏤ Sei, sei. Mas isso não invalida o que estou dizendo. Usei a flor como símbolo. Para mostrar que estamos mesmo em crise.
⏤ Em crise?
⏤ Sim. Em crise... por ausência de crise. Precisamos ter a coragem de admitir isso e agir como pessoas modernas. Proponho que façamos uma viagem, mas não juntos. Cada qual vai sozinho... É hora de dar um tempo.
Heloísa percebeu que não adiantava discutir. Clodomiro se sentia defasado, tinha desenvolvido um complexo por não se comportar como os outros. A viagem poderia ajudá-lo a tirar essa ideia da cabeça. Assim mesmo ficou triste; afinal iam bem, há meses não discutiam nem brigavam... O marido falou que esse longo armistício era um sintoma da acomodação. Lembrou-lhe a letra de Dolores Duran: “...e já não temos nem vontade de brigar.”
Ficaram uns dois dias tratando dos preparativos, até que no terceiro Heloísa chamou Clodomiro e lhe disse:
⏤ Não entendo bem essa coisa de internet, por isso não estou conseguindo comprar a passagem. Você pode me ajudar?
⏤ Claro, mas só se você me der uma mãozinha com a mala. Não sei bem que roupas levar. Sempre tive dificuldade de escolher o que combina, e não quero fazer feio no lugar aonde vou.
⏤ E para onde você vai?
⏤ Para Camboriú.
A mulher riu: ⏤ Engraçado... Eu também reservei vaga numa pousada de lá.
⏤ “Paraíso das Águas”?
⏤ Essa mesmo. Será que lá ainda tem aquelas estátuas de anões no gramado, perto da piscina?...
O marido não respondeu. Depois de um breve silêncio, propôs:
⏤ Se vamos para o mesmo lugar, podíamos viajar juntos... Mas só viajar! Lembre-se de que estamos em crise.
E foi assim, meio fingindo o contrário, que partiram para a segunda lua de mel.