A expressão beber socialmente tem alguma coisa de politicamente correto. Designa uma forma civilizada de beber (embora haja algum paradoxo nisso, pois bebemos para fugir à força coercitiva da civilização). Quando alguém diz que bebe socialmente, está querendo dizer que se controla, se policia, enfim, não se deixa dominar pelo “vício”.
Mas há outro sentido nessa dimensão social da bebida. Beber socialmente é também (e lá vai o óbvio) não beber só. É aproveitar o ensejo para conversar, rir com os outros, trocar impressões (e sobretudo imprecações) sobre a vida e o mundo.
Adriaen Brouwer, 1636
Para mim, uma das imagens mais dolorosas da solidão é a de alguém bebendo sozinho. Beber só – sem ter com quem brindar, a quem fazer confidências ou mesmo sobre quem entornar o copo – é pior do que comer ou dormir só. A bebida pede expansão e pressupõe o outro. Ela está associada aos rituais báquicos, que sempre envolviam muita gente (e às vezes, é verdade, terminavam em agressões e assassinatos). Sozinho se lê, se pensa, se reza – mas não se bebe.
O onanismo etílico é sinal de que falta à pessoa alguém com quem carnavalizar a vida. Embora ela possa fazer isso solitariamente (no Carnaval existem os blocos do eu-sozinho), nada mais estimulante para subverter as regras do que a presença de outras pessoas. O “indivíduo” é por natureza triste, ordeiro, temente às leis e a Deus. E quando está sóbrio, prefere a reflexão às atitudes que confirmam o instinto. Em grupo ele fica ousado, dribla o superego, deixa emergir a catadupa interior que os diques morais reprimem.
José Benlliure, Séc. XIX
O companheiro ideal para um bêbado é outro bêbado. Quando se juntam, um não faz muita questão de entender o interlocutor porque também não está preocupado em se fazer entender. Caso estivesse, teria permanecido lúcido. O importante é que, na língua engrolada em que se expressam, sempre dizem o essencial.
Existem, no entanto, aqueles para quem beber sozinho é mais produtivo. Os artistas, por exemplo, e entre esses os escritores. Gente como Vinicius de Moraes, Carlinhos Oliveira ou Paulo Mendes Campos não precisava de ninguém nessas ocasiões. Quando tinham diante de si uma garrafa, estavam em silencioso diálogo com as musas. E com elas faziam intermináveis brindes à eternidade.