“Eu lhes proponho etimologias contendo a mesma letra x — as palavras latinas anxius, ansioso, e anxia, ansiedade — em lugar de benzodiepina”
⏤ p. 128 ⏤
É com um tom bem-humorado e inteligente que Andrea Marcolongo escreve Etimologias para sobreviver ao caos (Étymologies pour survivre au chaos, Paris, Les Belles Lettres, 2020), tecendo a história das 99 palavras que ela escolheu para uma incursão etimológica inusitada.
Conhecedora do grego e do latim, da filologia e das raízes indo-europeias, Andrea Marcolongo não se contenta com o recurso habitual de ver a etimologia como uma dissecação dos radicais,
De posse das origens, em busca da verdade e da natureza de cada palavra este o significado de etymon, em grego, a escritora italiana faz o que se pode chamar uma narrativa sedutor, unindo, a um só tempo, o conhecimento linguístico necessário para se descobrir a importância dos estudos etimológicos, a uma visão pessoal de suas aflições e angústias existenciais.
É assim que ela encara o sentido de ansioso e ansiedade, que colocamos na abertura de nosso texto. A partir de um artigo do New York Times, que qualificou a América do século XX, como United States of Xanax, ela aproveita a deixa da letra x, para discorrer sobre o ansioso e a ansiedade, em cujas raízes latinas, encontramos aquela letra, receitando a etimologia em lugar do remédio que dá, a quem o utiliza, a falsa sensação de tranquilidade, diante dos percalços da vida, os que já vieram e, sobretudo, os que estão por vir.
PxH
Complemento que a raiz deve ser a mesma de anankê, a necessidade, em grego. A diferença está no fato de que a angústia ou a ansiedade nos paralisam, a necessidade nos impele para a frente, por causa do estreitamento dos caminhos que ficaram para trás.
Fernando
Urdindo um sentido, uma nervura etimológica entre as palavras escolhidas, Andrea sai do lugar comum dos dicionários e dá vida à etimologia, retirando-a do isolamento da erudição pela erudição e tornando-a parte de nossa vida, com um inquestionável saber
M. Borsano
A maneira atraente como Andrea entretece a sua narrativa nos conduz a uma compreensão da língua semelhante à da evolução dos seres vivos: mudança lenta e gradual, mas sem a perda da essência, revelando que até os sentidos mais díspares entre palavras opostas podem estar ligados entre si. É o que ocorre, por exemplo, com as palavras céu e queda, ambas provenientes da mesma raiz indo-europeia *co-, que origina tanto coelum, céu, quanto cadere, verbo latino com o sentido de cair. É a maravilha de se aventurar no estudo da língua e seus desdobramentos.
A língua e a sua realização, a linguagem, estão vivas, e como diz a autora: “Reapropriemo-nos das palavras – as mais precisas, as mais incisivas aquelas que refletem mais escrupulosamente o que sentimos. E utilizemo-las para dizer sobre nós e dizer sobre o mundo” (p. 29-30).
Eis para que serve o estudo profundo da língua e dos seus termos, para que não nos deixemos embair pelos medíocres que querem legislar sobre o que não podem e sobre o que, principalmente, não sabem. Como diz o subtítulo da obra, para sobreviver ao caos da ignorância crassa.