O nosso querido Gonzaga Rodrigues, por quem tenho admiração e carinho especiais, escreveu sobre a sua teimosia em Escrever fora do seu tempo (A União). Mas para a felicidade da cidade, ele continuou a escrever – sempre aos domingos! Imagina se passamos sem ler a sua crônica publicada no Jornal A União toda semana? Já faz parte, pelo menos do meu ritual, ao tomar meu café.
Gonzaga fala com uma certa nostalgia do viver fora do seu tempo. E com isso ele vai se referindo aos comportamentos, o estranhamento do dia a dia, a linguagem, a cultura, as leituras, o ouvir, até mesmo o viver. Os olhos do homem serão outros diante da idade, da vida e das mudanças do mundo? Com certeza! O olhar não acompanha a geografia das esquinas. Onde tinha uma casa, hoje tem um edifício de vidraças azuis; a praça? Agora é um campo de beachtennis! E aquele casario lindo do centro? Hoje só musgos e rebocos.
Lamento Gonzaga que, assim como não se aprende a escrever crônicas em dicionários, o tempo também não. Mas a sua rapadura ao pé do filtro, a sua madeleine, essa ainda faz você voltar aos tropeiros de Pocinhos. As tais coisas que entraram no teu sangue, como você mesmo relata, e graças a Deus, Naná Garcez e Rubens Nóbrega, lhe convenceram a trocar o dia da sua teimosia. Ganhamos nós os leitores, aqueles que devotos do jornal, seguimos a sua procissão.
Para lhe fazer coro, mesmo sendo um tanto mais nova nas idades, mas já experiencio algumas dessas dificuldades. Quando passeio pela cidade de carro, as ruas já não são as minhas. E o Manaíra, por onde eu andava nas ruas de barro esburacadas e desertas, hoje uma outra cidade.
Aposentei-me porque estava na hora, mas também porque já sentia concreta a distância das minhas palavras à lousa, dos alunos com seus celulares rapidíssimos na web. Nada do que eu falava, interessava mais tanto. Game of Thrones estrearia um episódio novo. E eu nem assistia.
Vivo a me informar e atualizar na informática para não virar uma eremita digital. Tenho professora semanal (Obrigada, Iasmin!), para me ensinar termos, procedimentos, instalações e até as coisas que qualquer criança faz de olhos fechados, como pedir comida pelo Ifood, localizar um lugar, Waze, Google maps. Ah! Gonzaga, tive que aprender o que era streaming logo, logo, e isso muito antes da pandemia. Quando fiquei viúva, foram os filmes e séries da Netflix e Amazon que me preenchiam as noites solitárias e tristes. E na pandemia tive que tocar um dobrado para fazer parte das reuniões do Clube de Leitura no Meet; ser convidada para as lives e saber apertar o botão certo na hora certa; e hoje, consigo fazer uma porção de coisas de banco e também coisas domésticas. Mas tenho pavor de QR codes, e o cardápio, adoro o de papel para decidir se a caipirosca é de tangerina ou de kiwi.
E assim eu sigo no Windows, Word, mas como um bicho de abanos nos olhos e ouvidos, que não consigo amarrar o meu burro se mudar um “A”. Quando começo a aprender uma novidade, uma ferramenta, aí muda tudo e volto à estaca zero. Uma aflição. E olha que tenho computador há mais de 20 anos. Mas nós, do século 20, somos analógicos e temos sim, dificuldades com esse chip da geração Y ou Z!
Sim, gosto das mídias digitais – frequento o Facebook e Instagram, sigo montes de gente, leio coisas legais, fotos e eventos, mas aqui na cidade, quando vejo fotos das festas das socialites nas praias de veraneio, me pergunto onde estou. Passa o filme dos meus veraneios em Formosa e Praia do Poço, Camboinha, pé no chão, peixe frito, Badionaldo, Areia Vermelha, e a gente com um biquíni de lacinho, e juventude dourada batendo à porta. Tocava ‘Imagine’, de John Lennon na minha vitrolinha alaranjada.
Ah! Gonzaga, a minha teimosia é uma arma, pra te conquistar, cantava Jorge Benjor nas minhas festas ou na minha playlist de antigamente. Por sinal, tempos desses aprendi a mexer no Spotify, e justo eu, que gosto de buscar um CD e ouvir todinho. E comprá-lo caro como for. Esse objeto quase não identificado.
Entendo demais o seu sentimento de outsider do mundo. E a velocidade é a da luz. De um ano para outro tudo muda. E o pior, ou melhor, é que temos sim, de correr atrás. Outros sim, vamos ficando fora do mundo, e até de nós mesmos. Mas o tempo bom é hoje e vamos aprendendo. Mesmo que solitários.
Mas, aqui para te dizer que a tua teimosia me emocionou, e te parabenizo pelo novo dia da escrita e pela força no viver. “Com os dentes bem trincados na rapadura”.
Meu carinho e admiração.