Na isolada vila de pescador, apenas uma construção se destaca das demais: o casarão à beira mar, fechado há muitos anos. Os pescadores não costumam construir suas casas de frente para o mar. A terra é salgada para o roçado e a água de beber é salobra. Preferem a de um pouco mais distante.
As mulheres só gostam de olhar para o mar na hora da jangada voltar, uma superstição com misto de medo e respeito. O mar que dá o sustento também leva os pescadores. Mar aberto, nem as crianças se arriscam a brincar nas ondas. Já os homens têm receios. Conhecem de perto. Só entram com a jangada.
E assim a vila segue no ritmo da natureza das coisas, sem pressa. Se der o peixe, têm fartura e dividem. Muitas frutas. Manga de fazer lama. Caju, seriguela, jaca, carambola, sapoti, maracujá e mamão. O coco para a cocada, para o peixe e para molhar o mungunzá, o cuscuz e a tapioca. Comida não falta. Com a mandioca fazem a farinha, a massa da tapioca e do beiju. Sem falar nos bolos de milho e baeta. Em dia de festa tem até torta de abacaxi.
E numa tarde de verão, chega na vila uma mulher. Vem em um carro vermelho pela estrada de barro. Não pergunta nada a ninguém. Entra no casarão e abre as janelas para o mar. Ao longe se escuta um canto suave, uma voz feminina cantarolando músicas desconhecidas. Ninguém da vila tem coragem de se aproximar. Só Tonho. Há muito fazia morada nos fundos do casarão e ficou sem lugar. Pegou suas poucas coisas e foi se abrigar mata adentro. A moça nem percebeu sua saída. Ele gostava do casarão, era sua morada. Vivia escondido. Usava só um pequeno pedaço do quintal.
A curiosidade era grande para saber quem era essa mulher. Tonho resolveu espiar se a moça ainda estava lá. Afinal, se ela tivesse ido embora, poderia voltar. Precisava regar as plantas que deixou. Um minúsculo jardim com flores coloridas e algumas ervas medicinais. Só pôde levar o vaso com a muda que não tinha ido para o canteiro.
Tonho não falava. Foi abandonado pela mãe ainda criança. Quando tinha uns 12 anos ficou meses hospitalizado, após um atropelamento. Como ninguém foi buscá-lo, fugiu e voltou para a vila, mas não encontrou sua mãe. Depois que o pai foi engolido pelo mar, ela começou a beber e saiu sem rumo. Tonho era um fardo difícil de carregar, por não falar direito e andar com dificuldades. Nasceu assim, parto difícil. O cordão enrolado no pescoço tirou o ar. Ela pedia para ele não viver e ele lutando sozinho para nascer. Os moradores dão comida e abrigo, mas nunca um lugar fixo. Foi aos poucos montando o seu canto nos fundos do casarão. Fazia anos que vivia ali. Agora chega essa moça desconhecida.
O tempo passava e ela permanecia lá. Ao meio-dia descia para a praia, se esquentava ao sol e entrava no mar. Para espanto de todos, ficava umas duas horas. Tonho aproveitava para cuidar do seu jardim. Mas começou a estranhar as plantas novas que foram surgindo. Resolveu vigiar, ficou o dia todo sem que a moça percebesse. Foi quando descobriu que ela, depois da praia, gostava de ir para o pequeno jardim.
Viveram dias assim: ele cuidava e ela apreciava sem nunca se encontrarem. Até o dia em que nasceu uma rosa amarela, tão bela que Tonho ficou encantado com a beleza da flor e não percebeu o tempo passar. E, nessa contemplação, a moça se aproxima e dá-se o encontro dessas duas almas solitárias, para espanto dos dois.