Os passos largos e rápidos da humanidade no campo da ciência e da tecnologia conduziram o sujeito tapado que sou a ambientes profissio...

A bandeira de uma amiga

Os passos largos e rápidos da humanidade no campo da ciência e da tecnologia conduziram o sujeito tapado que sou a ambientes profissionais habitados por cpu's, processadores, drives e memórias ram, esquisitices com as quais tenho convívio forçado até no santo recesso do lar. Pois é, isso há muito pulou dos centros de pesquisa, redações de jornal, circuitos fabris e repartições públicas para as nossas casas e nossas camas.

Entendo que o tempo corre em saltos para os que já passaram dos 70. Tenho a impressão de que, ainda ontem, os textos que eu produzia com salário mensal e pauta diária saíam do teclado da velha e boa Olivetti, aquela da bunda de ferro. A informatização dos veículos da imprensa me impôs a alternativa: o computador, ou o desemprego.

Paul Hanaoka
Já aposentada, minha amiga não teve que fazer essa escolha. E, soberana, mandou o computador ao diabo que o carregue. Não o mantém em casa nem o quer em lugar nenhum. Acontece que o progresso, assim tido e havido, é bicho dado a tocaias. Espera cada um de nós numa dessas esquinas da vida. Então, a informática a ela terminou por chegar na embalagem de um smartphone. Viu-se, compulsoriamente, com mensagens de voz, vídeos e fotos na bolsa.

E se assustou com o que viu. O boato e a mentira que antes corriam de boca em boca, vagarosamente, haviam ganho a amplitude, a força e a velocidade dos relâmpagos.

Acostumou-se a me ligar com a pergunta: “Isso é verdade?”. E lá me vinham textos, imagens e áudios relacionados a escândalos políticos, no mais das vezes. Não sabia fazer o que eu já havia aprendido: a consulta a agências de checagem de informações, ferramentas úteis à detecção da calúnia e da infâmia. Havia coisas que nem precisava checar, como a história de que o Papa passou a gostar de Lula quando os roubos do PT produziram depósitos no Banco do Vaticano. Tanto quanto eu, ela se horrorizava com a identificação do caluniador, assim também entendido quem repassa mentiras.

Brian McGowan
Mal sabia minha amiga que ela própria se veria, assim, enredada. Tem lá suas preferências, a exemplo de cada um de nós. Não foi, não é e nunca será eleitora de Lula, o que é um direito seu. Como, ao contrário dela, tenho eu o direito de gostar dele e nele votar.

Certa vez, eu lhe disse que escolheria o ladrão sempre que um juiz escolher o réu (maculando a doutrina que também impede ao réu a escolha do juiz), escalar o Ministério Público, comandar a operação e receber o prêmio de Ministro da República daquele que beneficiou com a prisão do adversário. E isso nunca nos separou. Democracia, comentei há pouco, é uma estrada com dois lados à nossa escolha. O trânsito exige a convivência e o respeito.

Ângela Bezerra de Castro (capital paraibana Acervo particular
Um mês atrás, acompanhando uma sobrinha, a minha amiga esteve em frente ao quartel da Epitácio Pessoa. E agitou a bandeira do descrédito na lisura das urnas. É preciso dizer que a metade do eleitorado, praticamente isso, pensa como ela em um País dividido, penosa e gravemente. Passado todo esse tempo, teve sua imagem associada à quebradeira ocorrida há menos de uma semana, em Brasília, como se ali estivesse.

Sei que não quer nem prega a volta da ditadura. Foi vítima disso. Viu-se impedida de assumir um cargo público para cuja vaga obteve a nota maior do concurso. É que pesava contra si o ensino voluntário de adultos pelo método desenvolvido por Paulo Freire, nome que a direita radical censura e abomina até os dias de hoje. A posse somente lhe foi possível quando os ânimos arrefeciam e as tropas retornavam à caserna. Mas, assim mesmo, depois de longa peregrinação pelos corredores da Justiça.

A nota recente da instituição a que se afilia contra a invasão e depredação de entes indispensáveis ao processo democrático, à ordem, à justiça e à paz entre os brasileiros teve nela o primeiro apoio e o primeiro aplauso.

Recém-embarcada no universo que nos oferece o transporte de mensagens por meio eletrônico, em grandeza cada vez mais ampla, seja ela bem-vinda ao Século 21, tempo em que a perversidade corre na velocidade da luz.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Ângela Bezerra de Castro10/1/23 19:50

    Oi, amigo. Li seu artigo. Quanta diferença faz a dignidade diante da má fé. Esse povo que resolveu me crucificar não consegue me atingir. Graças a Deus, minha vida e todas as minhas atitudes têm raízes sólidas. Por isso não me deixo abater. Talvez, depois de tudo, eu escreva um texto crítico.

    ResponderExcluir
  2. O ALCR parabeniza o autor pelo excelente e oportuno texto.
    A professora Ângela Bezerra de Castro possui valiosa história na educação, na cultura e na literatura. Seu nome, que enaltece e orgulha o estado da Paraíba, é referência para estudos literários em todo o Brasil.
    Temos a grande satisfação de tê-la como colaboradora e leitora assídua dos textos aqui publicados.

    ResponderExcluir

leia também