Assistindo ao especial de Roberto Carlos (sim! No Rio de Janeiro, sexta à noite, vendo RC pela tv - sei não...), escutando-o cantar Lady...

Será que ela volta?

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Assistindo ao especial de Roberto Carlos (sim! No Rio de Janeiro, sexta à noite, vendo RC pela tv - sei não...), escutando-o cantar Lady Laura e lembrando de minha mãe Iracema.

Lady Laura é um hino a todas as mães das pessoas de minha geração. Então, Lady "Iracema" veio, nesse momento, com toda força em meu pensamento! Lembro de sua beleza e elegância simples, porém marcante. Lembro, ao longo da minha infância, que em momentos especiais, ela costumava deixar o cabelo bem fofo e cheio de laquê. O cheiro do laquê, misturado com seu perfume, sua boca bem feita, vermelha, se destacava, acentuando o azul intenso dos seus olhos. Linda!

Acervo de família
A imagem das cores fortes das roupas que usava, refletiam, com exatidão, seu temperamento, sua personalidade, sua vontade. Dona Iracema nunca chegava em um lugar para não ser notada - antes dela, sua luz, sua energia, invadia todo o espaço.

Marcante, ela era marcante! Imensa para uma criança como a que fui. Uma mãe gigante, que falava alto e dizia exatamente o que queria dizer, sem medir palavras. Sentia medo do que ela iria dizer, quando eu estava conquistando novos amigos. Imaginando se ela atrairia a admiração daquelas pessoas ou se iria afastá-las para sempre. Não era mulher de meias palavras. Assustadora, linda e poderosa era ela.

Ser a primeira filha de Dona Iracema não foi simplezinho não. Eu era desafiada o tempo todo a ser e fazer melhor, a olhar o mundo lá longe e aqui dentro ao mesmo tempo. A ser tão linda e poderosa quanto ela... e eu não era. Nunca fui!

Um misto de admiração e medo sempre esteve presente entre eu e minha mãe.

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Uma mulher vibrante, braba. Com a mesma força que expulsava, acolhia, construía, mudava vidas. Colocava-se na autoridade de mãe de todo mundo com a maior facilidade. Mandava, dava as ordens, ditava as regras. Ajudava qualquer pessoa, indistintamente, não podia ver crianças ou jovens fora da escola que ia atrás dos motivos e não descansava enquanto não colocasse tudo em seu devido lugar. Descobridora de talentos, se empenhava e investia nessas pessoas com intensa satisfação!! Adorava ver as pessoas se descobrirem.

Essa mulher se impunha sempre diante da vida, não existia o impossível, as fatalidades. No entanto, ou a coisa era do seu jeito, ou não era!

Esse temperamento, esse jeito de ser era polêmico, dentro e fora da intimidade.

Iracema era amante da estética, da beleza. Uma mulher das artes, da música, do movimento, da dança. Detestava o marasmo. Associava tudo à preguiça e a preguiça era a "oficina do diabo".

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Não admitia que dormíssemos além das 8 horas, nem no domingo! Para ela, dormir muito era um defeito!

E seu desejo era uma ordem.

Lembro de uma vez que ela foi levar minha irmã para pegar o ônibus no centro do Conde e saiu da Pitumirim, de camisola mesmo, pois iria deixá-la e, em seguida, voltaria para casa. Ao chegar lá, encontrou a população revoltada com o motorista do ônibus que havia atropelado uma pessoa. Estavam querendo incendiar o ônibus e a parada do ônibus ficava ao lado do posto de gasolina da cidade. Ela prontamente saiu do carro, se colocou em frente ao ônibus gritando para a multidão: "se quiserem tocar fogo nesse ônibus vão ter que tocar fogo em mim". Conseguiu conter sozinha um possível e iminente desastre. Ela era tomada pela certeza do seu poder pessoal, de seu poder de persuasão.

Uma pessoa sem paciência, que queria tudo e todos beirando a perfeição.

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Um coração acolhedor que, junto com meu pai, acumulou filhos e filhas pela vida. Sentia-se responsável por tudo e por todos.

Esse negócio de "em briga de marido e mulher ninguém mete a colher" não existia para ela. A seu ver, se existisse algum tipo de violência, qualquer um tinha a obrigação de se meter! E ela se metia!

Seu deleite, talvez a única coisa capaz de diminuir seu ritmo, era o jardim da Pitumirim, que com o tempo e a seu cuidado, foi ganhando um orquidário. Minha mãe amava plantas, todas as plantas e em especial as sofisticadas orquídeas.

Estou me referindo a Dona Iracema sempre no passado, mas ela não morreu. Está viva, embora essa mãe, mulher que descrevo, não esteja mais presente. Aqui, acolá, ela desponta. Aparece sua rebeldia natural, seu humor provocador, seu controle sobre a rotina da casa: hora das refeições, hora de fechar as janelas e portas... aspectos que resistem ao mal de Alzheimer que há mais de 10 anos ocupa os seus dias.

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Ela, que se considerava a melhor motorista de todos os tempos, um belo dia, sem nenhum aviso prévio, chegou pro meu pai, entregou a chave do carro e falou "a partir de hoje não dirijo mais". Meu pai indagou o motivo e ela disse "não tenho mais idade". Não sei o que aconteceu para ela tomar essa decisão, ela jamais faria isso. Imagino que ela já estava percebendo os sinais, pois depois disso o Alzheimer foi ficando marcante. Ela nunca mais dirigiu.

Mesmo com tanto tempo da doença, até hoje, não esqueceu os filhos. Impressionante!

Depois da morte do meu pai, perguntava por ele de 5 em 5 minutos e sofria toda hora que a resposta sobre a morte dele vinha. Hoje não mais... até esqueceu que foi casada.

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Minha mãe, Dona Iracema, ainda guarda a beleza em seus 90 anos. É uma velha bonita. A sua saúde física é invejável (sempre se gabou de ser mais saudável que as três filhas)! Mas se retirou da vida de tal maneira que me faz refletir sobre o que é essencial.

A generosidade, a bondade dela e o seu compromisso diante da vida não se traduziam em afetos e dengos, beijos e abraços. O seu jeito de amar era nutrir as pessoas com possibilidades. Prover educação, cultura, arte, esporte e oportunidades era sua forma de amar.

Hoje, me aproveito dessa "retirada" provocada pelo Alzheimer e enfio a cara no seu cangote e cheiro bem muito, seguro em sua mão e assim assistimos juntas a novela inteira, de mãos dadas. Mas isso não diminui a saudade que sinto dessa criatura que foi minha mãe, que tanto me desafiou na vida.

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Dona Iracema parece não estar mais aqui... olho pra ela e fico pensando o que pode ter se passado para que ela tenha se tornado tudo o que não queria ser: uma velhinha.

Sinto saudades.

Eu tenho vontade de cantar Lady Laura para ela. Ou Como é grande o meu Amor por Você… Será que ela volta?


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  1. Tânia Brito27/12/22 21:09

    Viver esse momento nos faz entender como é grande o nosso amor por elas, não se foram estão apenas descansando seus corações e mentes, nos ensinando mais uma vez a profundidade do sentimento Amor . Vivenciei e aprendi muito, foi triste e ao mesmo tempo rico de amor.

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