Entrei no café do Paraíba Hotel e terminei num desengano bem mais sério: a pobreza de mãos pedintes, de miséria exposta, que lotava as...

Saí para me enganar

Entrei no café do Paraíba Hotel e terminei num desengano bem mais sério: a pobreza de mãos pedintes, de miséria exposta, que lotava as nossas calçadas há mais de sessenta anos, motivando a criação da Sudene sob a égide de novas teorias econômicas, não tem vencimento. Aumentou e muito. Tomou a praça inteira antes a mais festejada de povo e de nossas elites, ocupando, rua acima e rua abaixo, os portais e bancos de praça do conforto e lazer dos moradores e convivas das velhas ruas centrais tão privilegiadas.

Praça Vidal de Negreiros / Paraíba Palace Hotel, João Pessoa (PB) GSView
A prefeitura se viu obrigada a abrir mão do zelo histórico, dos cuidados de preservação, liberando a praça de André Vidal de Negreiros à feira de mangai da horda cada vez maior de subsistentes. Vendedores e compradores na mesma lingada.

Entre a fome, o zelo histórico e a estética, não houve alternativa. Em resposta ao liberou geral vêm mais um ou dois terceirões, saída que livrou o núcleo da Igreja da Misericórdia e da antiga Silva Jardim a não bater de vez as suas portas.

Igreja da Misericórdia, João Pessoa (PB) GSView
A Covid acelerou o processo mas, na verdade, a Rua Direita, a rua dos Padres, a rua que levava das portas sagradas às do poder, já vinha empobrecendo há quatro ou cinco décadas.

Os que se orgulhavam dessa rua e se mudaram para o cemitério não deixaram herdeiros com o mesmo sentimento. Expressivos exemplares de antigos sobrados, de pé apenas no livro de Juarez Batista, reduziram-se à mesma condição de pobreza absoluta dos sobreviventes e ambulantes atuais. O edifício que marcava a moderna arquitetura difundida no país pelo palácio carioca da cultura de Corbusier, em cujo projeto Lúcio Costa e Niemeyer se iniciaram, o nosso Ipase, é um exemplo vergonhoso de descaso e insensibilidade dos que têm a obrigação de cultuar a cidade. A terceira capital histórica do país, que não quer dizer nada para muita gente.

Monumento a Vidal de Negreiros, João Pessoa (PB) GSView
O monumento ao herói da nacionalidade, André Vidal de Negreiros, na sua versão mais recente, da gestão de Ricardo Coutinho, virou lixo de cima a baixo. O melhor que lhe sobra ainda é a homenagem da borrada dos pombos.

Assim, é olhando para trás que me refortaleço, ganho ainda o favor das pernas nos remotos caminhos de calcários da resistência e mesmo nos moderníssimos caminhos de hoje, de asfalto e morte. Há mais de dez anos me advertem: “Cuidado, você não pode dirigir. É uma temeridade”. Na última versão, a carteira de habilitação me nega a estrada e proíbe o motorista de 58 anos de carteira a sair depois das 17 horas.

Muda o trânsito, muda a cidade, mudo eu, menos a estatística cada vez mais funesta da fome, nódoa infeliz para a história social e política de um país redito e recantado “rico por natureza.” De natureza humana digna do melhor.

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