Cada época tem uma rede tão grande de conexões entre estilos, inventos, descobertas, eventos políticos e econômicos, que os avanços que deverão ocorrer nela - em todos os campos - parecem estar “no ar” ... como se ocorresse uma enorme associação de ideias num cérebro único, que seria o planeta.
Daí a disputa entre os irmãos Wright e Santos Dumont pela invenção do aeroplano - que na verdade acabaria voando com um ou com outro... ou com qualquer dos demais pesquisadores (dezenas deles) que corriam na mesma trilha, porque de repente aparecera o que lhes faltava a todos: um motor leve e com potência suficiente para erguer o mais-pesado-que-o-ar: o do 14-bis, foi um Antoinette V-8, motor criado por Léon Levasseur, no ano anterior, pra barcos de corrida. Um pouco antes, os irmãos Lumière disputaram com Edson (e vários outros) a criação do cinema - graças à invenção, então recente, da fotografia e do celuloide.
E quantos disputaram a paternidade da fotografia!: Daguerre, Niépce, Bayard e até nosso Hercule Florence, tudo graças à junção da câmera obscura com a fotossensibilidade dos sais de prata, comprovada pelo físico alemão Johann Heinrich Schulze ou Schultz, (1687 – 1744 ).
E foi no estúdio de um fotógrafo famoso - Nadar - que aconteceu a primeira exposição dos impressionistas, pintores que lançavam uma nova proposta de Arte que pretendia reagir ao estupendo impacto que fora o advento da precisão fotográfica, mediante a utilização de recentes teorias ópticas. Seurat – o criador do pontilhismo, se encantara com “Da Lei do Contraste Simultâneo das Cores”, do químico Michel-Eugène Chevreul e sua descoberta da produção de uma terceira cor quando duas outras são vistas à distância, se justapostas – o amarelo com o azul criando o verde, o amarelo e o vermelho criando o laranja, etc. Mas em geral os impressionistas se guiaram pelo “Cromática Moderna: com aplicações na Arte e na Indústria” – do americano Ogden Nicholas Rood.
A explosão colorística e luminosa, no entanto, só foi possível com o abandono dos estúdios pela pintura em plein air - ao ar livre - graças à invenção dos tubos de tinta, feita por um apagado pintor inglês - John G. Rand, em 1841 - feitos a partir de estanho e selados com uma tampa de rosca, o que deu às tintas uma vida útil longa, não vazava e podia ser aberto e fechado repetidas vezes.
Estar fora da estrutura de uma época é terrível. Leonardo da Vinci não significou qualquer avanço no estudo da anatomia humana - a não ser para si mesmo - devido à repressão da Igreja aos violadores de cadáveres como ele. O mesmo valeu para Copérnico e sua herética concepção heliocêntrica. Só na geração seguinte, a de Galileu, - com o tardio aparecimento da obra desse astrônomo - se deu a revolução renascentista no mundo das ideias.
E Vesálio publicou seu tratado “Humanis Corporis Fabrica”, superando o autor da “Mona Lisa” na área. Otto Maria Carpeaux dizia que os grandes escritores sempre estiveram na convergência dos acontecimentos vitais de uma era - a exemplo de Virgílio, que vivia colado no imperador Augusto - daí “A Eneida”.
Já Hemingway foi ser motorista de uma ambulância militar na Itália, durante a Primeira Grande Guerra - daí o “Adeus às Armas” - e foi ser correspondente de guerra na Revolução Espanhola - daí “Por Quem os Sinos Dobram”. É o caso, também, do nosso Euclides da Cunha, correspondente do jornal “O Estado de São Paulo” na guerra de Canudos, que nos deixou “Os Sertões”.
Não por coincidência, os jovens espanhóis Lorca, Buñuel e Dali moravam no mesmo quarto, em Paris - centro do mundo nos anos vinte . Esses artistas estiveram inseridos na estrutura de suas épocas, viveram-nas e estiveram à altura delas ao se empenharem em suas obras. É o caso de Andy Warhol - já em outra estrutura - com a arte revolucionária proveniente de sua própria profissão: desenhista publicitário - exatamente no instante em que Nova Iorque enchia-se de luminosos e outdoors.
Ou o caso de Picasso e Braque dando ao mundo o cubismo no instante em que a Teoria da Relatividade virava a cabeça de todos, desintegrando todas as velhas formas de ver as coisas. É claro que os oportunistas sem gênio - sabendo dessa estrutura e da situação de quem está fora dela - tiveram também seu espaço, procurando imitar os que tinham descoberto a trilha da época antes deles.
É o caso – dói-me dizer isso - de nosso Portinari, e de Di Cavalcanti, Ismael Neri - toda uma chusma de brasileiros que voltaram de Paris picasseando, com sucesso apenas aqui. Ou de Cícero Dias, que voltou chagallizando, Anita Malfatti que chegou vangoghizando, etc, etc. Houve toda uma reengenharia no final da Idade Média para que dela aflorasse a Renascença. Toda uma reengenharia no pós-guerra para que dele surgissem os anos 60 com sua revolução nos costumes.
Qual seria a estrutura de NOSSA época? Giulio Carlo Argan tenta levantá-la no final de sua portentosa obra, “Arte Moderna”... e uma série de autores e historiadores procuram defini-la em estudos sobre economia, arquitetura, literatura e Arte do pós-modernismo.
O que Eric Hobsbawm percebe a olho nu, em seu “A Era dos Extremos” ? Que na segunda metade do século XX não há mais rodins ou picassos, gershwins ou stravinskis, pounds ou eliots... e que o único grande ficcionista consensual foi Gabriel García Marquez... e que a filosofia falira.
Em meu romance “Arkádtich”, José Medeiros, professor de Filosofia da UFPB, cria uma teoria, segundo a qual a bomba atômíca - 06 de agosto de 1945, Hiroshima - fora o epicentro desse tremendo abalo sísmico que acabou sendo a centúria, afetando tudo que foi feito depois... e antes. Como disse T. S. Eliot em 1943, no “Quatro Quartetos” : “Súbito num dardo de luz solar (...) - absurdo o sombrio tempo devastado / (...) antes e após seu rastro alastra.”
As artes, na primeira metade dos anos 900, caracterizaram-se - todas - pela busca da desintegração total. Joyce sacudiu o romance em 1914 - início da Primeira Grande Guerra - com “Ulisses”, e acabou por pulverizá-lo em 1939 - início da Segunda Guerra Mundial - com “Finnegans Wake”.
A música erudita chegou a um ponto máximo - nesse sentido - com o concerto “4 minutos e 33 segundos”, de John Cage, em que o pianista sentava-se diante do seu instrumento... e cruzava os braços durante esse espaço de tempo, conceituando-se de música todos os sons do ambiente, principalmente as reações da plateia.
A pintura chegou ao “Branco no Branco”, de Albers, e aos cortes feitos com faca na tela virgem, de Lucio Fontana. O pós-modernismo, consequentemente, surgiu na ressaca de tanta virulência, materializada pela eclosão nuclear e a devastação total - física - do ser humano.
Impressionou-me a leitura de um livro de 1925 - do entreguerras, portanto - “A Desumanização da Arte”, em que José Ortega y Gasset tenta compreender o que estava ocorrendo com sua época. “A nova arte é um fenômeno de índole equívoca - diz ele - porque equívocos são quase todos os grandes fatos destes anos em curso. Bastaria analisar um pouco os acontecimentos políticos da Europa para achar neles a mesma índole equívoca.”
Continuamos no equívoco, Brasil no meio, mas o mundo esfriou um pouco a cabeça, descobriu a ecologia, avançou extraordinariamente nas telecomunicações, percebeu que parece já ter experimentado de tudo na pintura, escultura, poesia, literatura, teatro, música.
Argan diz que arte é coisa de artesão e que o artesanato já teve seu tempo e que a hora é de partir para grandes soluções urbanísticas, objetos de uso cotidiano, a fotografia, a publicidade, o rádio e a televisão, o cartaz, o videoteipe - nada de quadros, estátuas, objetos preciosos. Terá razão? Não acredito: mudaram os meios e sempre houve épocas vazias – buracos negros – na História.
Você veja as ruínas do esplendoroso período áureo do Egito e o povo miserável que - depois dele - permanece até hoje entre elas. A gente fica pensando: “Que foi que aconteceu com eles? Com o gênio deles?” Não importa: houve, depois, o Século de Péricles, o Renascimento Italiano, a Bauhaus. A Arte - diz Gustav Jung - provém da mesma região do inconsciente que produz as religiões e os sonhos. Quem pode parar de sonhar? - Isso não é da estrutura de um tempo, mas do Homem.
Da auto b/i/o grafia do autor a ser lançada em breve