Um querido amigo genial, o Professor Luíz Dias Rodrigues, Luizito, disse-me, certa vez, que era muito reticente em produzir textos, poi...

Quando devemos dizer

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Um querido amigo genial, o Professor Luíz Dias Rodrigues, Luizito, disse-me, certa vez, que era muito reticente em produzir textos, pois já havia tantas obras excelentes, que preferia mesmo aprender com os escritos dos outros.

Luizito era um gênio autêntico e a sua humildade era fruto da sua sabedoria. Sua mente fervilhava de conteúdos e de idéias, mas ele preferia a condição de leitor.

Com esse critério, produziu textos preciosos, que enriquece quem os lê.

Kelle P.
“Das palavras, as mais simples. Das mais simples, a menor”, disse Churchill, que, além de estadista, também foi um grande frasista, justamente por ter sido um dosador de palavras.

Há muito mais a ser percebido do que escrito. Aliás, a escrita é uma etapa posterior a observação acurada da realidade a nossa volta, um fruto da maturação do pensamento acerca das nossas impressões e percepções do mundo e das pessoas. Alexandre Dumas Filho inicia o seu romance A Dama das Camélias com uma reflexão: “Na minha opinião, não se podem criar personagens a não ser depois de haver estudado por muito tempo a humanidade, assim como não se pode falar um idioma que não se tenha aprendido seriamente”.

Expressar sentimentos complexos, descrever o que não se pode nomear; traduzir a beleza; desvendar o inefável, o indizível e o indescritível. Não é tarefa fácil. É por isso que a literatura é uma arte.

“A palavra é prata, o silêncio é ouro”, assevera o brocardo chinês.

Kelle P.
Esperar que substantivos, verbos e adjetivos, ou que qualquer vocábulo consiga dizer adequadamente o que está na alma, é reproduzir a tolice do Rei Lear, de Shakespeare, que deserdou a filha preferida, Cordélia, por ela não conseguir exprimir, em palavras, o amor sincero que lhe devotava, deixando toda herança para as suas duas outras filhas, as hipócritas e dissimuladas Goneril e Regan, que, diferentemente de Cordélia, formularam declarações de um suposto amor infinito pelo pai.

Este é outro risco das palavras: elas podem se converter numa armadilha, quando parecem representar o que não existe. É preciso saber dos seus riscos e das suas limitações para não ser por elas enganado e, também, para poder manuseá-las corretamente.

As palavras podem até sobrar e, ainda assim, ser insuficientes. Elas se desgastam e se esgotam; já o amor verdadeiro, não. Quanto mais o usamos, mais ele sobra.

Emoções e pensamentos, as sutilezas da alma, são a matéria da poesia. Substâncias etéreas convertidas em manifestações escritas, nem sempre fiéis ao objeto traduzido.

Kelle P.
Gibran, o grande poeta libanês, disse que o pensamento é uma ave do espaço que, preso numa gaiola de palavras, abre a as asas, mas não pode voar.

Um koan zen, pergunta: “Qual o som do silêncio?”

Só um monge, ou um poeta, para dar conta da dificuldade de transformar a inspiração em palavras. Por isso, em seguida ao monge, fala o poeta Olavo Bilac:

“Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava, O que a boca não diz, o que a mão não escreve? — Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve, Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava... O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava; A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve... E a Palavra pesada abafa a Idéia leve, Que, perfume e clarão, refulgia e voava. Quem o molde achará para a expressão de tudo? Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta? E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo? E as palavras de fé que nunca foram ditas? E as confissões de amor que morrem na garganta?”

De um lado, a dificuldade de dizer. Do outro, as redes digitais e a sua exibição contínua e prolixa do cotidiano de centenas de milhões de pessoas, através de seus respectivos perfis, num mundo onde a tecnologia expõe a intimidade de todos, de modo radical e, tantas vezes, impróprio.

Porque não apenas silenciar? O que nos resta a expressar, então? Tudo. Pois, a despeito do que já foi dito, de modo tão brilhante, pela melhor produção literária universal; e apesar de toda a máquina global de compartilhamento de interesses em comum, representada pelas redes sociais, a essência humana continua intocada. Nela, está o manancial inesgotável que inspira os melhores poetas e escritores. Quem souber, com argúcia e atenção, ouvir os dramas humanos e assistir aos pequenos milagres do dia a dia, estará diante de uma fonte inesgotável de idéias.

Kelle P.
Sempre que pergunto ao meu amigo Jonvsk se ele tem “alguma novidade”, ele me dá a mesma resposta há 36 anos: “A vida. Ela é sempre uma novidade”.

Jonvsk está certo. A vida é a fonte.

Quando a vida engravida as palavras, então temos de fazê-las nascer. É nosso dever, pois as palavras que nascem assim, pertencem a todos os que necessitam delas.

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