Ser jovem enquanto velha, velha enquanto jovem. (A Ciranda das Mulheres sábias — de Clarissa Pinkola Estés)
Foi um ano difícil. E por entre o assunto da política, da eleição de Lula – o grande presente e Vivas!, e o momento de transição e da constatação do desmonte do país, tive também outros assuntos pertinentes a pensar. A velhice das mulheres. O corpo da mulher idosa, para os que não gostam da palavra velha, as suas dores e a solidão e invisibilidade dessa mulher, já há tanto falado, Desde Simone de Beauvoir à Miriam Goldenberg e a sua Bela Velhice.
Tenho o lugar de fala. E nos últimos anos, venho vivendo a minha vaga no estacionamento onde tem aquela figura de um velhinho curvado e segurando uma bengala. Filas de preferencial e outras “regalias” que só valem se tivermos saúde. Problemas? Tivemos todos, e de algumas mazelas que já nem falo mais, ao contrário, dou um sopro e vislumbro alhures.
Tenho muitas amigas da minha idade, ou pouco mais velhas, ou um tanto mais novas. A solidão é uma constante. E a partir de mim, chego à conclusão que é mesmo difícil namorar à essa altura da vida. Um longo caminho do passado e um presente adaptado a ser a rainha do meu pedaço. Uma satisfação em morar sozinha e uma constatação imensa de que não é tão bom enfrentar à velhice sozinha em casa, e por entre paradoxos e sonhos, vamos seguindo.
Ano passado, numa confraternização entre amigas, a maioria sozinha, eu fiz a minha lista do que não entrava mais nos meus requisitos, para me relacionar amorosamente: Pessoas que gostam muito de churrasco (não como carne, quase não bebo mais – pouco e sempre) e a cultura do churrasco envolve muita gente, sol, e pagode — tô fora. Pessoas que gostam de barco – geralmente os aficionados por barcos tem turma para Areia Vermelha, e eu tenho medo do mar, e também sou distante de turmas, qualquer uma. Já viram né? Uma loba solitária! Mas tudo isso é teoria, texto e risadas pós vinhos com amigas. Na hora da paixão, ou até mesmo ao encontro amoroso mais sereno, em qualquer idade, subvertemos todas e quaisquer ordem.
Então, fiquei a pensar num texto de Virginia Woolf – “Professions for Women” (Profissões para as mulheres), onde ela, fala da fada do lar, e do perfil/comportamento que a sociedade exigia para que as mulheres fossem: muito empáticas, charmosas, altruístas, que se sacrificasse diariamente, e que nunca tivessem uma mente toda sua, e que sempre obedecessem aos desejos dos outros. E eu hoje, em pleno século XXI, fazendo minha lista amorosa: Tem que gostar de gente e do silêncio. Não pode gostar de beber muito. Só um pouco. Tem que gostar de estar com a família, digo eu e meus filhos; que goste de cinema, de ficar quieto, de dançar – comigo, de viajar, de livros, de arte, de apreciar as coisas simples da vida, ter senso de humor, dar uns bons beijos e andar de mãos dadas na rua. De sexo? Pois as pessoas envelhecidas gostam de sexo sim. Quase sempre. Claro que não com a desenvoltura dos 20 nem dos 30, mas há de haver formas e maneiras de tesão, aconchego e êxtase. Faz bem para a pele. Mas as listas? Na vida, e nas horas, melhor mesmo é jogá-las foras. E viva a subversão!
E conversando com outra amiga que, findando a década dos seus 60, está namorando, e me disse coisas tão importantes, como que, se há de aprender a se relacionar de novo com o cotidiano, com a intimidade, com alguém novo na vida. Quando se casa jovem e se envelhece com a mesma pessoa, o caminho está trilhado. Mas, quando se casa mais de uma vez, e se encontra com alguém noutra fase da vida, tudo é um re-elaborar, re-aprender e re-sinificar (para usar essa palavra célebre).
Fiquei a matutar sobre o assunto. A imaginar esse alguém que tenha cabelos prateados e a disponibilidade de nadar em mares revoltos do tempo.
Nesta minha última crônica do ano, reverencio as mulheres da minha geração, principalmente aquelas que, como eu, estão sozinhas, mas não estão mortas. Gostam da vida, das pessoas, do mundo, e sim, de amar.
Que venha 2023, com novos tempos para o Brasil, com Lula à frente desse país bonito e que merece se re-inventar também, e com mais amor para todos/todas nós.
Feliz Ano Novo!