Procurei, em vão, doidamente. Era uma pequena foto amarelada, tamanho 3x4, contratada com um daqueles antigos retratistas da Praça Aristides Lobo, no Centro de João Pessoa. Recém-chegado do interior, eu providenciava, então, a matrícula no Curso Ginasial noturno do Colégio Underwood, instalado na Duque de Caxias, trecho entre o velho prédio de “A União” e o Palace Hotel. Curso noturno, sim, pois a luz do sol me serviria à busca do primeiro emprego, apesar da pouca idade.
Eu a tinha visto, dias atrás, descolada do velho álbum que me coube por herança materna. Revirei-lhe as páginas, esvaziei gavetas, perguntei em casa e nada. Ninguém dava conta da foto miudinha com minha cara de 14, ou 15 anos. Uma pena. Difícil explicar e aceitar essas perdas. Como pôde sumir, assim, sem mais nem menos, algo de que eu não mais lembrava e, redescoberto, me passou a ser tão caro? Uma pena, mesmo.
O Underwood foi meu primeiro colégio, em João Pessoa. O segundo foi o Estadual de Santa Júlia, no bairro da Torre, onde eu atinaria para a má fama do primeiro. “Pagou, passou”, diziam. Na época, João Agripino, o governador, tratava de ampliar as vagas no ensino público. Foi quando ingressei no Santa Júlia. E foi ali onde reencontrei o professor José Victor, de português. Tinha-me em boa conta e, como no colégio antigo, também passou a me convocar ao quadro negro para as análises sintáticas. Escapei do deboche e, de pronto, ganhei o respeito dos novos companheiros.
A foto desaparecida me traz essas saudades. E ainda me faz lastimar o sumiço daqueles adoráveis fotógrafos de praça. Acho que todos ficamos sem um pedacinho da alma, uma fatiazinha do ser que um dia fomos quando perdemos gente, memórias e coisas da juventude.
No tempo em que os preços dos estúdios estavam além da capacidade de desembolso de muitos e quando as câmaras digitais, com seus flashes e selfies, estavam longe da imaginação, até mesmo, dos amantes da ficção científica, aqueles fotógrafos se instalavam nas ruas com suas caixas, tripés e banquinhos. Ainda, com o pano branco estendido por trás do freguês, a fim de encobrir a paisagem ao fundo feita de carros, prédios e transeuntes.
Eram mais requisitados para as fotos de documentos como carteiras de identidade e do trabalho, ou fichas funcionais. Nesses casos, o paletó e a gravata também estavam, ali, à disposição de qualquer um. E serviam a todos: gordos e magros, grandes e pequenos. Afinal, os ajustes de alfaiate seriam providenciados pelo enquadramento e por cortes na largura exata dos ombros e à altura do primeiro botão do cliente, logo acima do umbigo.
Atendiam por “Lambe-lambe” e podiam, igualmente, retratar casais, fossem de anciãos, ou jovens namorados. Era quando o pano branco cedia vez a uma tela com paisagens. Praias com coqueiros e o Cristo Redentor foram, assim, a muitas paredes de casinhas nas roças e pés de serra habitadas por quem nunca viu o mar nem o Rio de Janeiro.
Conta-se que o apelido que a eles dava o mundo inteiro adveio do hábito de tocar as fotos com a língua durante a lavagem, a fim de avaliarem a emulsão das substâncias utilizadas na revelação e fixação das imagens.
Até o fim da década de 1960, era comum vê-los nas praças das capitais e cidades de porte médio com suas máquinas assemelhadas a caixotes de metal e madeira revestidos de couro cru e parcialmente cobertos por um saco preto com três aberturas onde enfiavam a cabeça e os braços na hora de “bater” e revelar cada retrato.
Eu não consigo pensar neles sem que me venham à mente um mundo melhor, mais calmo e uma vida mais bela e digna. Entendo que muitas pracinhas deste Brasil imenso deveriam conter estátuas suas, ou de suas máquinas. Por décadas, foram tão presentes e tão úteis a elas quanto os bancos e os jardins. Não é assim, Leila Diniz?