A viagem para a Europa foi cancelada em agosto... Alguém apresentou o teste positivo para o Covid, e mais outro... Enfim, o luto da perda do projeto sonhado para 2021, compartilhado por todos do pequeno grupo. E, em determinados momentos, surgia nos comentários: “Hoje estaríamos em Valência...” Enquanto o garçom do Café da Serra atenciosamente servia o bolo de milho, o pensamento aterrissou na Cidade das Artes e das Ciências, e o sabor dos churros e da crema catalana adoçaram a boca...
“Nada é melhor
que uma realidade vivida.
Tudo é melhor no ar da fantasia”
(Emilia Currás)
Nessa época do ano, o verão na Espanha ardia como fogo na pele, e os visitantes procuravam a sombra das árvores, o ar-condicionado das lojas e os ventiladores que produziam névoa de água para refrescar os ambientes comerciais. O contraste da temperatura de 17ºC no Brejo paraibano era consolador... Sim, as uvas estavam verdíssimas!
A transposição do desejo irrealizado para o campo das possibilidades reais gerou uma curiosidade turística e, aos poucos, afetiva. O plano substituto seria descobrir os encantos e os doces que fariam parte da “transgressão” gastronômica, a cada viagem semanal. A base que permitiria os primeiros dados: a feira livre local. Um verdadeiro núcleo de simpatia e acolhimento... E lá estava o típico sequilho de goma e leite de coco, assado em forno a lenha. Ao seu lado, o inesquecível doce americano, cortado em fatias finíssimas... uma renda quase transparente... E, de banca em banca, várias sugestões para conhecer o doce mais badalado da cidade: a Peteca de Banana. Encontrada no cardápio dos bons restaurantes, na semana seguinte esta seria a meta. Com a receita anotada, o teste foi realizado com o suspense da expectativa. A parceria com o sorvete de rapadura e a calda de café lembrava o tiramisú italiano...
“Quase todos os prazeres da imaginação e do sentimento consistem em recordações.
Estão no passado antes de estar no presente”
(Giacomo Leopardi)
A culpa pela ingestão de tanto doce, mesmo em pequenas porções, aliviava ao justificar a preferência e a fidelidade ao Bolo de Arroz português! Presente nas casas portuguesas, com certeza... e no Aeroporto Portela, em Lisboa... na Confeitaria Nacional. Insubstituível, acompanhado de café com leite quentinho, após um voo demorado.
“Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem”(Mário de Sá-Carneiro)
Os retornos a Bananeiras guardavam surpresas, entre elas a revelação dos açucarados na vitrine da padaria. Um sonho esquecido no canto da bandeja, já ligeiramente úmido... A visão alucinou o Berliner alemão, preferencialmente sem recheio, com um toque suave de limão siciliano... O melhor já encontrado!
“Sonhe grande, pois os sonhos pequenos não realizam
o coração dos homens”
(Goethe)
Viajando nos açucarados caracteres, precisava experimentar as delícias da mais famosa boleira da cidade... E, ao escolher um bolo quente de nata com goiabada caseira, a vinculação foi para a Tarte Tatin (torta de maçã invertida), saída do forno, no Café da Ópera Garnier, admirando mais uma beleza da arquitetura parisiense, escutando C’est si bon com Yves Montand... “Aos olhos da saudade, como o mundo é pequeno”
(Baudelaire)
A busca da redução da ansiedade percorria vias de permuta, e os mecanismos de defesa foram ativados para restabelecer o equilíbrio. A compensação de prejuízo e o deslocamento, da Europa para o Brejo Paraibano, a que conclusão tenderiam, após o itinerário programado?
E, ainda na incerteza da resposta, o próximo ponto para agregar informações, o passeio para o Lajedo Preto. No alto dos seus mais de quinhentos metros acima do nível do mar, a formação rochosa descortinava uma paisagem magnífica. Entre orquídeas amarelas e vermelhas (Epidendrum e Cyrtopodium), no seu habitat natural, um restaurante se instalou e distribuiu gazebos com mesas e cadeiras... até uma chaise-longue para os cansados turistas que quisessem relaxar... e, para encerrar o dia, uma Cartola! Preparada com bananas assadas com queijo de manteiga derretido, farofa de castanhas e canela... Apesar de associar às tortas suíças com amêndoas, os pés que pisavam no granito bruto, com suas reentrâncias e relevos, interferiram nas conexões cognitivas... Outro lajedo com pés de ave maria, uma cachoeira, uma pitombeira que abraçava as pedras com seus ramos, e o som da água descendo até o rio, atropelando tudo no seu caminho, sons e imagens afluíram intempestivamente no pensamento... O cenário fez parte de um passado distante pelo tempo e geograficamente próximo.
A resposta chegara... e não passava por nenhum sonho europeu. O lugar mais doce era a cozinha do distrito de Vila Maia, a poucos quilômetros do centro de Bananeiras.
Nada de merengues franceses, de tortas de frutas vermelhas, sorvetes Amorino... e, sim, mini suspiros, biscoitos de goiabada cascão, raminhos, raivas, sequilhos, bolos tradicionais, rosca de receita misteriosa... doces feitos em tachos de cobre, queijo de manteiga batido até chegar ao ponto e finalizado com a farofa de raspas. Havia o doce de banana em rodelas vermelhas, de caju em fiapos para casar com queijo do reino, de laranja com cravo, cocadinhas que se tornavam compulsivas de tão prazerosas... uma mesa imensa e alegre... um conceito forte de família. E, para completar, o café do sítio, torrado na hora! A viagem ao mais recôndito do ser, às origens, ao reencontro com os antepassados foi trilhada por muitos caminhos e circunstancialmente reconstruída por pedacinhos de saudade que adoçam a lembrança, e ressignificam o caramelo da vida.
“Eis o momento!
Começando nesta porta, um longo e eterno
Caminho mergulha no passado:
Atrás de nós está uma eternidade!”
(Nietzsche)