Il faut être toujours ivre, tout est là; c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre.
(Charles Baudelaire- Les petits poèmes en prose)
Merisi nunca teve um rosto fácil. Quando se olhava no espelho. Quando tinha coragem. Outros o espiavam de lá. Para além das marcas da bem-vinda boemia, dos fins das noites fauves, das madrugadas de ninguém é de ninguém, encontrava sempre outras caras. Estranhas olheiras fundas. Rugas insuspeitadas. Rictos que se reaprenderam risos.
Quem era ele mesmo? Mutante. Metamorfo…
Ora lhe contemplava (do fundo do que queria fosse a sua própria alma) um Baco que cruzara apressadamente numa esquina miserável: bêbado amarelado, pernas finas, ventre protuberante de cachaça barata, ora Afrodite lhe espiava, devassa, através dos olhos do michê mais atrevido montado em lantejoulas vermelhas ofuscantes. Por vezes lhe espreitava dos cacos dos espelhos que quebrava em noites de desespero um anjo envergonhado pelo tédio dos pecados ou um demônio prazeroso, cheio da malícia das auréolas camufladas.
Nada era estático no histórico de sua própria imagem. Desde os punhos crispados e já tantas vezes suturados próprios das noites nunca mais dormidas à boca de língua ávida por novas descobertas de madonas que ele fodia e que lhe chupavam, sábias.
Artemísia, a bela, que o esperava nua nas noites de tempestade, queria mais que tudo poder lhe decifrar os olhos. Principalmente quando o conjunto desarmônico do seu rosto entrava em mutações que a fascinavam. Trevas profundas, abissais, iluminadas (vez em quando) por relâmpagos onde buracos sem fundo, irônicos, cruéis e amarelos, lhe espionavam. Ela buscava ainda lampejos de ternura no turbilhão de seu rosto elástico e mesmo no prazer do seu arreganhar de dentes afiados.
E suicida de amor expunha a jugular que palpitava intensa, a pele faiscante, contra o branco imaculado dos lençóis amarfanhados.
Ele lhe buscava o sexo e lhe tapava a cara
Amar é como morrer, cuspia Merisi para Artemísia, a triste. E a virava de costas como fazia aos rapazes que buscava nas madrugadas, jogando-os contra o tenebrismo dos muros escuros da cidade alcoviteira, evitando o claro escuro dos faróis dos carros, por não querer nunca ver-lhes os rostos que suspeitava cambiantes como o seu.