“Decorridos dois anos da conquista de Olinda, à qual incendiaram devido às dificuldades de fortificá-la, os neerlandeses ainda se ach...

A difícil conquista da Paraíba pelos holandeses – A segunda tentativa


“Decorridos dois anos da conquista de Olinda, à qual incendiaram devido às dificuldades de fortificá-la, os neerlandeses ainda se achavam cercados no Recife, entenda-se, no istmo (atual bairro do Recife) e na ilha adjacente de Antônio Vaz (atual bairro de Santo Antônio); e na cabeça de ponte estabelecida na extremidade meridional da ilha de Itamaracá, onde tinham construído o forte de Orange. Era só.”
Evaldo Cabral de Mello, “A educação pela guerra” (Penguin / Companhia das Letras, 2014)


Em meados de fevereiro de 1630, os holandeses haviam se apossado de Olinda e do Recife. Ao final de novembro do ano seguinte, a situação dos batavos em Pernambuco era relatada em correspondência enviada à Holanda, por Johannes van Walbeeck, um dos membros do Conselho político flamengo no Brasil:

“vivemos em uma ponta de terra, sem liberdade de nos dirigir para o interior, pois a falta de refrescos e de madeira, tanto para construção, como para a cozinha, é suficiente para nos manter aqui sem possibilidade de realizar ulteriores ataques; sem refrescos, a tropa não se sustentando senão com alimentos vindos da Pátria, é vítima do escorbuto, como se verifica diariamente e não se obtendo nem verdura nem água fresca, necessariamente definha até a morte, sem que neste areal possa ser empregado qualquer expediente, tal qual como se estivéssemos em um deserto”.
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Mapa de Mauritsstad (Cidade Maurícia, ou Mauriceia), nome dado ao Recife à época da invasão holandesta
Autor: Johannes van Walbeeck, 1630 ▪ Fonte: Wikimedia
Fustigados pelas guerrilhas das forças locais, que impossibilitavam que adentrassem no território, os holandeses concentraram a sua ação militar na tentativa de tomarem praças-fortes localizadas no litoral visando cortar a comunicação da Colônia com Portugal e a Espanha. Depois da construção de uma fortificação em Itamaracá, os batavos investiram contra a Paraíba. O fracassado ataque ao Forte de Cabedelo, em dezembro de 1631, quando tiveram grandes baixas, levou os flamengos a adotar uma nova estratégia para a ocupação do território.

Para o historiador Evaldo Cabral de Mello:

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Evaldo Cabral de Mello
“O objetivo neerlandês de se apossar das demais praças-fortes do litoral não poderia ser alcançado enquanto o exército hispano-luso-brasileiro dispusesse de apoio no interior do Nordeste [...] Era indispensável, portanto aplicar uma estratégia contraguerrilha antes de passar ao sítio das praças-fortes, como inicialmente previsto [...] O impasse dos dois primeiros anos foi rompido pelos holandeses a partir de 1632 [...] Uma flotilha de chalupas e de pequenas embarcações subia e descia a seu talante os pequenos rios da zona da mata, saqueando e incendiando os engenhos de açúcar e amedrontando a população.”

No princípio de 1632, um fato teria repercussão no curso da guerra. Conforme a narrativa de Cuthbert Pudsey, um inglês que se incorporara como soldado às forças neerlandesas no Brasil:

“Por este tempo, veio até nós um português chamado Domingos Fernandes, que por haver estuprado uma mulher na região de Camaragibe e para que depois ela não contasse quem havia feito isso, cortou-lhe a língua. Vivera como renegado por cerca de dois anos entre os portugueses. Então, tendo vindo servir os holandeses, foi feito capitão. Graças a seus conselhos e meios molestamos muitíssimo o país, sendo ele um sujeito intrépido [...] sabedor de todas as picadas e caminhos através de toda a terra”.

Domingos Fernandes, conhecido como Calabar, segundo Frei Manuel Calado, que o conheceu, “em breves dias aprendeu a língua flamenga e travou amizade com Sigismundo von Schkoppe, governador da guerra, ao qual tomou como compadre de um filho que lhe nasceu de uma mameluca chamada Bárbara, a qual levou consigo e andava com ela amancebado. E a causa de se meter com os inimigos [...] foi o grande temor que teve de ser preso e castigado asperamente [...] por alguns furtos graves que havia feito na fazenda d’El Rei”.

Auxiliados pelo grande conhecimento que Calabar tinha da região, os holandeses começaram a conquistar posições, sendo a primeira a vila de Igarassu. Na narrativa de Duarte de Albuquerque Coelho, donatário de Pernambuco:

“Esta entrada que o inimigo efetuou, persuadido e guiado por Calabar, foi sentida não só por ser a primeira (contra o interior da capitania) mas também porque facilitaria outras”.
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Vila de Igarassu, retratada por Jan van Brosterhuyzen (1637), com base em desenho de Frans Post
Fonte: Rijksmuseum, Amsterdã
Conforme escreveu Evaldo Cabral de Mello, “uma vez que a estratégia de contraguerrilha produziu os resultados almejados, chegou o momento de o exército da WIC realizar com êxito os objetivos iniciais de aplicar a superioridade naval e terrestre contra as praças-fortes portuguesas”. E assim, no relato de Duarte de Albuquerque Coelho nas suas “Memórias Diárias da Guerra do Brasil”, em 5 de dezembro de 1633, saíram do Recife 18 navios com o objetivo de atacar o Rio Grande do Norte, sob o comando do holandês Sigismundo von Schkoppe e “levando como principal companheiro Domingos Fernandes Calabar, com 1500 homens”. A fortaleza dos Três Reis Magos, que “entrou dentro nela dos primeiros o Calabar”, foi facilmente conquistada, como escreveu na sua obra “História da Guerra de Pernambuco” o português Diogo Lopes Santiago, contemporâneo dos fatos:

“os holandeses, fizeram muita festa com luminárias, e surriadas de artilharia e mosqueteria no Recife, por haverem tomado quase às mãos lavadas uma força de tanta consideração e tão fortíssima, que os nossos sentiram notavelmente por ser grande perda”.
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Chegada dos holandeses ao Rio Grande do Norte ▪ gravura de autoria anônima ▪ Rijksmuseum
Com a conquista do Forte dos Três Reis Magos, ficava a Paraíba em uma situação bastante desfavorável, colocada entre Itamaracá e o Rio Grande, duas praças-fortes dominadas pelos flamengos. Desde que os holandeses se apossaram do porto do Recife, a Paraíba tornara-se o principal ponto de embarque das exportações da produção açucareira das capitanias de Pernambuco e de Itamaracá e das várzeas paraibanas, conforme escreveu Duarte de Albuquerque Coelho: “depois que o inimigo ocupou o porto do Recife; porque faltando este, cresceu o comércio deste outro, que não tinha antes”. Segundo Evaldo Cabral de Mello, “apesar da distância e do custo do transporte terrestre, boa parte do açúcar pernambucano então foi exportado pela Paraíba [...] O açúcar da capitania de Itamaracá fez o mesmo: pequenos barcos desciam o Goiana e costeavam o litoral até Cabedelo”.

Para o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, “engodados os holandeses com a fácil ocupação do Rio Grande, dispuseram-se a empreender a da Paraíba”. Para os neerlandeses era imprescindível ocupar a Capitania da Paraíba “cuja conquista
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Capitania da Paraíba ▪ gravura de Salomon Savery, Sec. XVII ▪ Rijksmuseum
fôra tão frequentemente ordenada da Republica e sem a qual não era de esperar que alcançassemos a occupação pacifica da região do Norte do Brasil”, como registrou, Joannes de Laet, geógrafo e um dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais, a W.I.C., a empresa comercial que era a responsável, por delegação das Províncias Unidas dos Países Baixos, pela conquista e exploração do Nordeste brasileiro.

Nas “Memórias Diárias da Guerra do Brasil”, Duarte de Albuquerque Coelho anotou que "em 23 de fevereiro de 1634, uma armada batava deixou o porto do Recife com destino à Paraíba “com 24 naus, 18 barcaças e muitas lanchas, com três mil infantes. Daí a dois dias [...] pela tarde, começou-se a descobrir da Paraíba essa armada, e, às nove do outro dia, 26, estava sobre o Cabo Branco”. Matias de Albuquerque, comandante das forças que combatiam os holandeses, que tomara, antecipadamente, conhecimento da expedição flamenga, avisara ao capitão-mor da Paraíba e providenciara reforços para a sua defesa.

A defesa da barra do rio Paraíba, pela qual se alcançava a Cidade Filipeia e o interior da Capitania, era constituída, no lado Sul, pelo Forte de Cabedelo, e, na parte Norte pelo Forte de Santo Antônio,
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Litoral norte da Paraíba ▪ Albernaz, 1640
de construção recente e que ficava “na enseada que chamam da Ponta de Lucena”, além de uma artilharia que fora instalada em uma ilha fluvial próxima à foz do rio, conforme relata Duarte de Albuquerque Coelho nas suas “Memórias”:

“Recebendo esse aviso, o governador da Paraíba começou a prevenir-se. Fez uma fortificação na ilhota que o próprio rio Paraíba forma, e a que chamam de ‘Os Frades Bentos’; e em uma restinga de areia que está nela, em frente da barra, a meia légua, e quase no meio do rio e dos fortes do Cabedelo e Santo Antônio. Nesta paragem, muito apropriada para a melhor defesa de tudo, começou o governador a levantar uma bateria de sete peças [...]

Na parte do Forte de Santo Antônio, que já tinha artilharia em dois baluartes, fez uma trincheira com sua estacada, fosso e traveses, em um passo estreito, que de um lado tinha um pântano impenetrável, e do outro o mar, que tomava o caminho por onde o inimigo precisamente havia de passar, se naquela parte desembarcasse a gente [...] No Forte de Cabedelo, que era do outro lado e mais próximo da barra, pôs-se a demais gente que havia”

Os holandeses, desta vez, diferentemente da primeira investida que haviam dado, dois anos antes, contra a Paraíba, resolveram atacar, inicialmente, não o Forte de Cabedelo, mas o Forte de Santo Antônio, pelas razões apresentadas pelo diretor da WIC Joannes de Laet na sua “História ou anais dos feitos da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais, desde o seu começo até o ano de 1636”:

“O inimigo havia pouco tempo montara um forte do lado Norte do rio da Parahyba, quase direito na entrada, mas estava em parte aberto, e quase sempre guarnecido com pouca gente, porque o inimigo mal imaginava uma surpresa [...] Pelo que resolveram atacar em primeiro logar esse forte, e sendo bem succedidos, ver depois se haveria facilidade para apossarem-se do forte do Sul [...]"
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Litoral norte da Paraíba ▪ Atlas do Brasil ▪ João Teixeira Albernaz, 1640
Fonte: História do Brasil
Conforme a narrativa de Laet, quando as forças locais perceberam que os ataques dos batavos eram direcionados contra o Forte de Santo Antônio deslocaram homens e armamentos do Forte de Cabedelo para o Forte de Santo Antônio:

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J. Laet ▪ 1581—1649
“o inimigo no forte do Sul (que se conservara quieto até então, imaginando que a outra esquadra desembarcaria alguma gente ao Sul) notou-se agora ou calculou-se que o designio era apenas contra o forte do Norte e que os navios não podiam entrar por causa do vento contrario, atravessou em barcas com grandes forças para o lado do Norte. Podia-se ve-los marchar com grande tropa para o reducto do forte do Norte, e levaram para lá alguns canhões puxados a bois, que montaram immediatamente e atiraram violentamente contra o bosque”.

Embora Joannes de Laet fique silente com relação às baixas dos holandeses, decorrentes da reação das forças locais concentradas na Enseada de Lucena, Duarte de Albuquerque Coelho registrou
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nas “Memórias” o que ocorreu em uma segunda investida dos flamengos contra uma trincheira próxima ao Forte de Santo Antônio: “desta segunda vez a investiu o inimigo. Fizeram-no retirar com a degola de 32, fora os que levaram e os feridos. A nós, feriram-nos seis”. No relato de Laet quando os neerlandeses se preparavam para se fortificarem nas proximidades do Forte de Santo Antônio, trazendo dos navios “tudo que fosse necessário”, “o inimigo trouxe um reforço tão grande do outro lado que suspeitaram que o seu numero excedia longe ao dos nossos e como considerassem que a outra esquadra não poderia entrar no rio, acharam mais prudente retirar-se em tempo sem damno do que com perda de gente ir como que dar com a cabeça contra a parede [...] Á tarde partiram com toda a tropa e á noite embarcaram”.

Nas suas “Memórias Diárias da Guerra do Brasil”, Duarte de Albuquerque Coelho anotou: “Fez-se o inimigo à vela em primeiro de março, voltando a Pernambuco [...] A Paraíba ficou, com isto, então, livre deste susto”. Depois de quatro anos estabelecidos em Pernambuco, ainda não fora com essa ofensiva que os holandeses conseguiram conquistar a Capitania da Paraíba. No entanto, o donatário de Pernambuco prenunciava nas “Memórias” que uma nova investida dos batavos estava para acontecer: “ainda que não tardou muito o pior: porque o mal nunca tarda. Não passará o fim deste ano sem que o vejamos”.

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  1. Ótimo texto. Escrita e conteúdo de muita qualidade. Parabéns.

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  2. Parabéns pelo texto, Flávio Ramalho.
    Acreditamos que, assim como nós, os demais leitores estão ansiosos pela próxima parte da insistente cobiça dos holandeses pelas terras da Paraíba.

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