O eventual leitor (ou leitora) poderá, com toda razão, indagar o que têm a ver Van Gogh e Vermeer com sopa de tomate. Explico. É que telas famosas de ambos os pintores, grandes nomes da arte universal, foram recentemente atingidas, em diferentes museus do mundo, por sopa de tomate lançada por ativistas que protestavam contra danos ao meio ambiente. Como se vê, dois artistas distintos, dois grupos de ativistas diversos, um mesmo meio de agressão (a sopa de tomate) e um mesmo motivo (o protesto a favor do ambiente). Aqui, vamos tentar analisá-los conjuntamente,
em rápidas pinceladas, sem o talento, claro, dos dois gênios holandeses.
Interessante é que só num segundo momento é que me dei conta da coincidência quanto ao país de origem dos pintores, a Holanda de tantos mestres da tinta e do pincel. Falo em coincidência, porque é provável que os ativistas tenham se orientado mais pela celebridade e pela importância das pinturas do que pelo lugar de nascimento dos autores. Mas vamos aos fatos.
Nos últimos dias, ativistas agressores que protestavam contra agressões ao meio ambiente, jogaram sopa de tomate contra a tela “Girassóis”, de Vincent Van Gogh, na National Gallery, em Londres, e contra a tela “Moça com brincos de pérola”, de Johannes Vermeer, no Museu Mauritshuis, em Haia. Por sorte, as duas pinturas estavam protegidas por uma placa de vidro, não tendo sofrido danos, salvo a sujeira inevitável; e também por sorte os ativistas não usaram outro material contra as telas, sabe-se lá o quê, nestes tempos em que granadas e fuzis estão ao alcance de qualquer um.
Não é a primeira vez que obras artísticas importantes foram atacadas. A “Mona Lisa”, de Leonardo, e a “Pietá”, de Michelangelo, têm histórias para contar a esse respeito. Na maioria dos casos, as investidas foram cometidas por doentes mentais, gente que queria aparecer e gozar dos quinze minutos de fama de que falou Andy Warhol. Que fazer? O jeito é prevenir, protegendo esses tesouros de alguma forma, o que acaba sempre prejudicando a fruição normal dos mesmos pelo grande público. É o preço a se pagar por esses vândalos de todo tipo e para se continuar tendo acesso às obras, mesmo que com alguma restrição. Ó mundo!
Agora as agressões têm uma motivação nobre, sem dúvida. O meio ambiente, no mundo inteiro, merece proteção, sabemos todos, menos alguns chefes de Estado e/ou de governo, para espanto geral. Muito bem. Mas será que atacar obras de arte de grande valor, em museus ou fora deles, é o melhor caminho para os protestos? Essa a questão. Será que, para proteger a natureza, os ativistas não estão agredindo outros patrimônios da humanidade, igualmente relevantes, desta vez de ordem artística e cultural?
Até hoje causa indignação no mundo civilizado a deliberada destruição de antiquíssimos monumentos históricos na Síria e no Iraque pelo chamado Estado Islâmico e seus seguidores. Esses bárbaros simplesmente explodiram a parte antiga das cidades de Palmira, na Síria, e de Nínive, no Iraque, entre outros crimes, para apagar a memória de civilizações passadas que floresceram naquelas regiões há milênios. Destruíram, sem nenhuma necessidade, mesmo levando em conta o fanatismo religioso dos selvagens, relíquias que pertenciam à história da humanidade como um todo e que, portanto, mereciam continuar incólumes, à disposição dos estudiosos e de todos que desejassem conhecê-las e contemplá-las.
Mas o fato é que quando o ativismo — seja ele político, religioso, partidário, étnico, sexual, de gênero ou de qualquer outra espécie — é dominado pelo fanatismo, a racionalidade vai para o beleléu e todos os absurdos e todos os crimes passam a ser possíveis, como bem sabemos, por experiência ou por ouvir dizer. Ó mundo!
O que posso dizer sobre esses recentes vândalos da sopa de tomate? Muito pouco, aqui desta aldeia no fim do mundo. Direi apenas o seguinte: a causa do meio ambiente é muito nobre e merece a adesão de todos, incondicionalmente. Mas não me desperta nenhuma simpatia qualquer dano a monumentos e obras de arte, como forma de protesto contra os inimigos da natureza. Agressão não se combate com agressão. Burrice não se combate com burrice. É só o que tenho, modestamente, a proclamar. Sei que não mereço nenhuma atenção por parte desses perigosos idiotas, mas me permitam, por precaução, pedir-lhes que não me agridam fisicamente, seja com o que for. Se for o caso, façam uso do civilizado direito de resposta previsto nas leis e constituições.
A propósito, em pacífico – e limpo — protesto contra esses doces bárbaros europeus, cancelei por um tempo a sopa de tomate de minha dieta.