Olhando o espelho retrovisor de tempos vividos, muitas vezes nos surpreendemos com lembranças que nos contam acontecimentos até de muita alegria, vividas naquela época, notadamente quando exibíamos a primeira grande conquista da vida, que era o ingresso na Universidade da Paraíba.
Nos investíamos das muitas indulgências que a cidade nos concedia, como universitários.
Nos investíamos das muitas indulgências que a cidade nos concedia, como universitários.
Logo no início do ano, divulgados os resultados dos exames vestibulares, a cidade recebia novos moradores a desfilar com seus galardões, alguns muito característicos, a anunciar futuros “doutores”, como os alunos “de Direito”, desfilando em suas fatiotas recém adquiridas no templo da moda masculina de então – Lojas Setta para Homens, com sinais da luta ingente que muitos enfrentavam para dar o nó da gravata, completando suas novas aparências com alentados compêndios, submetidos a rigorosa proteção axilar.
Enquanto isto, a turma do branco – área de medicina, quase sempre - envergava brilhantes batas, cuja fulgurante brancura podia até ofuscar as telas dos cinemas Plaza e Rex, atrapalhando suas animadas matinées de final de semana, não deixava por menos o alegre footing desfrutado no quadrilátero marcado pelo Tribunal de Justiça, de um lado e pela sede social do Esporte Clube Cabo Branco, no outro.
Naquela área cabia de tudo, até mesmo a sede da UEEP (União Estadual dos Estudantes da Paraíba), que funcionava mais como um clube social da estudantada e a todos recebia sem ranço de proselitismo político, acolhendo a todos, para alguns momentos de lazer, ou para cortar o cabelo com Agenor, misto de barbeiro-cantor, ou, ainda, para baixar alguns sopapos na heroica máquina de escrever – Royal, como faziam futuros bacharéis não muito familiarizados com esse monstro, que nela treinavam o preenchimento de alentadas petições que seriam defendidas com arrojo nos juizados onde fossem atuar.
Não havia distinção de tribos.
E foi nesse território livre onde se instalou o comando dos bravos universitários que, atendendo às convocações do governador Leonel Brizola, lançadas ao ar pelas ondas da Rádio Farroupilha, lá no Rio Grande, chamava todos os brasileiros a cerrar fileiras no combate para empossar o caudilho João Goulart, na Presidência da República, então vaga, dada a ação de assustadores fantasmas que fugiram de algumas garrafas, lá pelo Planalto, espantando o então titular do cargo, Jânio Quadros, que deixou essas funções ao léu.
Constituído o comando, logo se traçaram os planos de batalha, que teria como campo de luta o Ponto de Cem Réis, local ideal pois ali se concentrava considerável parcela da população pessoense a esperar por transporte coletivo, nos terminais das linhas de ônibus da Viação Progresso, que atendiam aos dois bairros mais populosos da cidade – Cruz das Armas e Oitizeiro e ficavam de frente para a Sorveteria Canadá, cuja varanda seria o local ideal para servir de espaldão das armas – microfones e autofalantes, e seu vasto salão oferecia boas facilidades de suprimento de boca, representados pelos deliciosos sorvetes de frutas e o chope mais gelado da cidade.
E, os bravos guerreiros, embora não se apresentassem devidamente uniformizados, pois o Comandante Brizola ainda não os suprira do uniforme regulamentar – bombachas, botas e esporas, bombas e cuias para o chimarrão, lá se foram para o combate, como disse o poeta pernambucano, Ascenso Ferreira, em seu poema O Gaúcho,
Riscando os cavalos!
Tinindo as esporas!
Través das coxilhas!...
Como bem assinalam líderes militares, toda tropa em combate deve ter um líder capaz e um guerreiro audaz, que sirva de exemplo e incentivo aos demais combatentes, exigência essa logo atendida, com o aparecimento do guerreiro destemido, personificada no acadêmico de Direito, José Gonçalo, mais conhecido nas trincheiras descompromissadas da boemia, pelo codinome de Zé da Banana, onde, dentre suas muitas habilidades, destacava-se sua oratória candente, que o fez peça fundamental nessa peleja, onde ocupou lugar de realce nas pelejas diuturnas ali travadas.
Mas...
Há dias e dias!
E houve aquele em que o nosso bravo guerreiro, ao final de sua peroração sacou do sempre presente compêndio, mantido sob rigorosa proteção axilar e brandindo-o como se fosse um sabre de guerra marchetado, deu o seu grito de combate, bradando “cá estamos nós, estudantes paraibanos, nas trincheiras da guerra, se necessário for, para defender a Pátria, com uma espada em uma mão e a prostituição, na outra”.
Traído talvez por uma mente já cansada da guerra, assustado por um daqueles fantasmas fugidios lá do Planalto ou abatido por uma noite mal aconchambrada, lá se foi nosso herói, cabisbaixo como o Comandante Vasco Moscoso de Aragão, ao atracar seu navio no distante Porto de Belém do Pará, ao final de uma viagem majestosa (in Os velhos marinheiros, Jorge Amado – Editora Record, SP - 1961).
Queria dizer, por certo, Constituição!!!
Entabularam-se, então, as negociações de paz.
Ensarilharam-se as armas.
Acabou a guerra.
Entre mortos e feridos, salvaram-se todos!