Dois jovens brancos, skinheads, atiram uma mulher Rume no rio Elba, a uma temperatura abaixo de zero. A mulher é milagrosamente salva por um agricultor. Um conselho (?) de Defesa Rume exige punição e os jovens são presos, mas o Partido Nacionalista, de extrema direita, os defende e eles ganham a liberdade. Há muitas histórias como essa em Lunik-IX. Uma delas é a dessa mulher de idade madura, branca, olhos azuis, que eles encontram estendendo roupas num varal, ao lado de sua casa e sem muita pressa, como se pretendesse interpor sua figura à passagem dos homens com a parafernália do áudio-visual. Como se assim esperasse ser notada pela excepcional visita de uma rede de televisão da União Européia.
– Vivo aqui há 62 anos, com meu sangue alemão – Ela diz.
Alexei Savrasov
Na sequência, ela se encontra dentro da casa, na verdade uma cabana de madeira, bem fortalecida, mas com uma cobertura de aparência precária, embora talvez eficiente e que ela própria foi conservando e recuperando com o tempo. Resume-se num vão apertado e com uma perna de L nos fundos, para banho e lavagem de utensílios diversos. Ela está sentada na cama.
– Havia muitos estupros durante a guerra? – É a pergunta malévola do repórter, suspeitoso de que a mulher tenha feito reformulação de passado.
– Ouvi minha avó dizer que aconteciam muitas coisas ruins naquele tempo. Mas nunca me disse se isso aconteceu, ou não, no meu caso. – Responde. Acrescentando, em seguida:
– Pelo que sei, foi uma história de amor.
– Por que diz isso?
– Porque meu pai voltou para buscá-la, segundo tinha prometido. Mas meus avós a esconderam num porão e a disseram morta. Então ele voltou para a Alemanha.
Frits Thaulow
– Não. Nasci alguns meses depois, e minha mãe morreu durante o parto. Fui criada pelos meus avós.
A mulher inclina-se um pouco e passa a retirar das gavetas de um móvel ao lado umas poucas lembranças de família, únicos testemunhos de sua história: exibe um lenço que pertencera à mãe. Em seguida, passa a desdobrar com cuidado, com lentidão, uma cópia da carta que alguém letrado, em seu lugar (um certo Josef, a quem Glenn conhecerá em breve), escrevera e remetera à pátria do pai, e a cujo destino ela não soube jamais ter chegado.
– Fiquei aqui. Com meu sangue alemão. – Ela repete.
62 anos depois, a filha é agora uma mulher de razoável estatura física, e com seus olhos azuis difere bastante dos outros Rumes, o que lhe dá credibilidade. Mora só há mais de 30 anos, desde a morte da avó, única familiar que então lhe restara.
Despede-se da equipe encostada no vão da porta, muito pequena para ela, com a mesma e vaga expressão de tristeza e serenidade habituais. Dali, ela parece olhar do alto de uma Baviera impossível para os vales enevoados de sua vida resumida num arrastar de exílio interminável. Não parece ver a realidade miserável do povoado que há diante de si.
Glenn e Sloan caminham um tempo em silêncio.
* De “Os Rumes”, relato documental inédito.