Chamava-se Marisa, era casada e não desgostava dessa condição. O que lhe era mais caro na vida, porém, era o seu sentimento de liberdade. Costumava comentar com Nébia, a amiga íntima: “Sempre fiz tudo, ou quase tudo, que quis”. A amiga contestava: “Tudo, não. Ninguém pode fazer tudo. E você é uma mulher casada”. Marisa reconhecia: “Claro, claro, sempre respeitei Eustáquio”. A outra: “E não está fazendo nenhum favor. Eustáquio é um homem corretíssimo. Além do mais, adora você”.
De fato, o marido a amava e de uma maneira que se podia chamar servil. A rigor, endeusava-a, e tal idolatria chateava um pouco Marisa. Mas ela tinha a impressão de que, casada com qualquer outro, sentiria o mesmo rancor aborrecido que só tinha uma razão: o marido era o obstáculo ao que sempre lhe fora mais caro – a decantada liberdade. Então Marisa foi, aos poucos, alimentando a certeza de que não seria errado trair Eustáquio – pelo menos uma vez. Uma vezinha só, para provar a si mesma que podia, e depois voltava a ser-lhe fiel. Tinha a íntima convicção de que o marido, se por acaso viesse a saber, sofreria mas acabava perdoando-a. Não podia viver sem ela.
Deu-se que um grupo de colegas de trabalho convidou Marisa para uma excursão. Iriam passar duas, três semanas na Europa. Entre eles estava Haroldo, que desde sempre lançara para Marisa uns olhos cobiçosos. A mulher sabia que ele a desejava, e fazia um jogo sutil de negaças; ria e logo ficava séria, para mais o confundir. Aproveitaria a viagem para em definitivo dar sinal verde a Haroldo. Nada mais poético, e nada mais prático, do que trair Eustáquio no Velho Mundo (decidiu que seria em Paris; a Cidade Luz sempre lhe parecera, nem sabia direito por quê, o ninho ideal para o adultério). Trairia em Paris, sim. O marido estaria longe de saber e a mulher deixaria o temor, talvez o remorso, do outro lado do Atlântico.
Ocorreu a viagem e Marisa regressou um mês depois. Trouxe para Eustáquio um belíssimo cortador de grama (ele tinha obsessão pelo jardim de casa), comprado numa loja bem próxima do motel onde se encontrara, mais de uma vez, com Haroldo. Por sinal, depois da viagem Marisa não quis mais conversa com o colega. Insatisfeito e despeitado, Haroldo contou a aventura a um amigo, pedindo-lhe sigilo. O mesmo fez esse amigo com relação a outro – e assim, no final das contas, todos na repartição sabiam sigilosamente da aventura de Marisa.
Foi quando um dos amigos do casal apiedou-se de Eustáquio e resolveu contar-lhe tudo. Numa noite redigiu a carta, em letra de forma, e enviou-a no dia seguinte.
Na tarde desse dia, Marisa voltava satisfeita das compras. Vivia uma espécie de absoluto espiritual, pois tinha do casamento o conforto, o serviço, a companhia – mas não tinha o dever nem a prisão. Pouco depois, entrando em casa, viu Eustáquio sentado na mesa da sala, cabisbaixo e chorando. Ao lado, um papel de carta. Perguntou de que se tratava. “Leia”, disse o marido. Antes que ela terminasse a leitura, perguntou cheio de esperança: “É mentira, não é? Diga que é mentira”. Marisa respondeu com tranquila dureza: “Não. Foi verdade”.
Eustáquio então pediu-lhe a carta, rasgou-a em vários pedaços. E de repente, como se acordasse de um pesadelo ruim, exclamou: “A grama! Esta semana ainda não aparei”. Foi à despensa e tirou o cortador importado. Pouco depois, com uma aplicação de funcionário, debruçava-se sobre o jardim.
Marisa então percebeu que o que fizera fora inútil. Não rompera padrões, não desafiara ninguém – não havia, de fato, a quem desafiar. Olhou o marido operando o cortador e teve a impressão de que era a sua liberdade que ali, a poucos metros, rastejava na grama. E sem mais orgulho ou maldade, antes com uma pena que se estendia a si mesma, deu-se conta de quanto os dois se mereciam.