O entretempo de 1912 a 1930 se caracteriza como período em que mais fortemente prepondera a influência do paraibano de Umbuzeiro, Epitá...

Porto do Sanhauá: 'Um Porto Político'

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O entretempo de 1912 a 1930 se caracteriza como período em que mais fortemente prepondera a influência do paraibano de Umbuzeiro, Epitácio Pessoa, na cena política nacional, primeiro como Senador, depois como Presidente da República e, em seguida, como Senador outra vez.

A esta altura, a Paraíba, mesmo diante de fortes divergências políticas locais, e de fatores geoambientais limitantes, com relação à construção de um porto no Sanhauá, a ainda não tão pujante capital paraibana aspirou a que o então pequeno Porto do Varadouro, ou Porto do Capim, ganhasse mais envergadura e se estabelecesse como porto competitivo, com maior capacidade de desempenho e com potencial para estimular
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1920 ▪ Porto do Varadouro, Parahyba do Norte ▪ Acervo: CCHJP
a economia urbana e rural do Estado e da região, aparelhado que ficaria para responder mais efetivamente às demandas das atividades produtivas, em razão da infraestrutura portuária habilitada que teria para viabilizar a entrada e saída de produtos, sem grandes limitações operacionais.

A exportação de algodão, açúcar, sisal, abacaxi e outros, sem dúvida, seria a maior beneficiária disso. A importação de combustíveis e derivados, e de produtos para o comércio varejista estaria no mesmo caminho. Por mais de uma década, agentes e atores importantes, em nível estadual e federal, até se empenharam, objetivamente, neste sentido. Projetos foram idealizados, recursos públicos foram comprometidos, obras chegaram a ter início.

Entretanto, à luz da história e da crítica política, e tendo a cidade e a população por testemunhas, com relação a tal objetivo, no fim, tudo se liquefez. Por razões as mais diversas, o Porto no Sanhauá não vingou. Planos foram esquecidos, incômodos e vergonhas com o que se deu foram confessadas. Mas, em torno do caso, restaram fatos que nunca vieram à lume. Não houve conclusão de apurações. A área física do terminal foi lentamente esvaziada, o assoreamento passou a comprometer ainda mais o leito do rio, a vegetação ciliar se recompôs, invasões não foram evitadas. Quase tudo mergulhou em abandono desde 100 anos atrás.

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1922 ▪ Obras do Porto Internacional do Varadouro ▪ Acervo: CCHJP
Do projeto do porto, hoje, restam apenas alguns testemunhos, caracterizados por resistentes colunas de concreto enterradas na lama, cujos topos podem ainda ser vistos por ocasião das marés baixas.

Em 1935, as atividades portuárias do Sanhauá são transferidas para novo porto em Cabedelo, o que enterra ainda mais as informações e o caso relacionado às questões nebulosas de que trata o historiador José JOFFILY (1914-1994), em livro denominado Porto Político, publicado pela Editora Civilização Brasileira,
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Rio de Janeiro, 1983, 253 p. ilustrado, cuja leitura me estimulou a escrever este artigo, como simples observador da história da cidade.

Com o tempo, nada restou de alguma infraestrutura do cais que se pretendeu erguer e que no futuro pudesse atender a outras finalidades. Um exemplo de finalidade bem atual seria servir de ancoradouro turístico para pequenos barcos que atuam no transporte de visitantes da cidade, usuários dos hotéis e pousadas localizados no Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa que, em atraente passeio pelo mar e pelo estuário do Paraíba, chegariam ao Centro Histórico.

Outro papel bem atual para um pequeno ancoradouro na Cidade Baixa seria um port de plaisance, à semelhança dos tradicionais pontos de ancoragem vistos no país e mundo a fora, e que no Brasil são conhecidos como marinas. Um pequeno port de plaisance no Varadouro e outro no Jacaré, onde informalmente já ancoram barcos de velejadores e aventureiros vindos do mundo inteiro, de passagem para outros destinos, seria de bom tamanho para as atividades turísticas locais.

Ressalte-se que no Varadouro, até mesmo instalações antigas — alfandegárias, policiais, e de logística para a armazenagem, e outros — foram relegadas ao abandono, transformando-se em ruínas,
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Ruínas das instalações alfandegárias do Porto do Varadouro ▪ Fonte: Alphabet
dentre as quais uma ou outra se tem, em vão, tentado restaurar para fins culturais, nas últimas décadas.

A propósito do que foi a curta, mas intensa saga em torno de um porto no Sanhauá, um interessante e polêmico livro que por razões desconhecidas dorme nos subterrâneos da nossa historiografia, e da academia, certamente, como peça pouco conhecida e pouco lida ou discutida.

Denominado Porto Político, o livro é uma obra literária do historiador, empresário e político José JOFFILY, publicada 60 anos depois da ocorrência de tais episódios que, a meu ver, deveria ocupar lugar consistente na historiografia paraibana, para a precisa compreensão dos fatos que tentam explicar o malogro de tal empreitada.

Sob meu ponto de vista, o livro se caracteriza como verdadeira catilinária. Pode-se, sem sombra de dúvidas, vê-lo assim, embora eu próprio considere dispensável qualquer rotulação, pois a obra é contundente, tem força própria, argumentação convincente e não precisa de Cícero, o romano, e mil vezes menos, deste modesto autor, para categorizá-lo.

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Ruínas de imóveis no entorno do Porto do Varadouro ▪ Fonte: Alphabet
O objeto central da catilinária de Joffily é a malograda proposta de construção de um porto no Varadouro, onde já existia pequeno ancoradouro e aonde as condições geoambientais do conjunto da área, em derredor, se revelavam impeditivas a tal intento.

A rigor, Porto Político constitui-se contundente libelo em torno de um fato cuja repercussão negativa nos destinos econômicos do Estado da Paraíba foi inibidora e nos destinos da cidade de João Pessoa foi definitiva para a débâcle do bairro do Varadouro, e sobre o qual, de forma não explicada, se jogou a cal do esquecimento.

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1922 ▪ Obras do (malogrado) Porto Internacional do Varadouro ▪ Acervo: CCHJP
Certo é que por volta dos anos 20 do século passado a economia paraibana, embora à sombra da de Pernambuco, já demonstrava musculatura suficiente para reclamar a presença de um equipamento portuário que ao mesmo tempo fosse capaz de prover o escoamento de sua produção e de impulsionar o desenvolvimento local.

Certo também que, à época, ocupava a Presidência da República um renomado paraibano que, desde seu primeiro mandato como Senador da República, exercido de 1913 a 1919, estimulado por seu grupo político, já apoiava o projeto de um porto na capital. Tudo parecia conspirar em favor de que o Estado tivesse um porto de destaque.

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1922 ▪ Obras do (malogrado) Porto Internacional do Varadouro ▪ Acervo: CCHJP
Os primeiros recursos para a construção do cais foram aprovados e repassados pelo Governo Federal, no entanto, a localização do porto pela qual se havia optado, em razão dos anos de demora em se começar as obras, e causas ligadas ao assoreamento, voltou a ser vista como inadequada, despertando mais polêmicas.

José Joffily, o autor do livro, numa contundente avaliação crítica de fatos e medidas que beiram ao surreal e ao absurdo, e se perdem num emaranhado de equívocos cometidos, traz à lume, de forma bem documentada, um roteiro de como aconteceu essa tragédia e de como o fracasso, de cerca cem anos,
José Joffily Bezerra de Mello ▪ 1914—1994
ainda enodoam a política e a administração pública.

Nesse vai e vem, afirma-se que recursos sumiram. Não se concluiu a obra. Ante os fatos e a não execução da obra, o presidente Epitácio teria se declarado envergonhado com o que aconteceu no seu Estado e, segundo a lenda política, teria se determinado a não mais pôr os pés na Paraíba.

Conforme Joffily, ninguém foi civilmente responsabilizado. Mas os fatos, de todo, não caíram no esquecimento. Alguns segmentos, notadamente historiadores, analistas e pesquisadores, vez ou outra, como fez José Jofflly, se remetem ao tema, notadamente em décadas mais recentes quando se vem buscando a revalorização do bairro do Varadouro e se volta a pleitear porto mais performante. Desta feita, em águas profundas, em Lucena.

Pela segura e intransigente argumentação deste historiador, a primeira dedução que se faz é a de que os recursos públicos federais destinados à empreitada teriam se transformado em disputado butim, sobre o qual, de maneira ávida e obscura teriam se envolvido poderosos e inconfessados interesses políticos, empresariais e técnicos que levaram à sua dilapidação.

Em seu livro, José Joffily mergulha nesta confusa questão, de forma aguda, destemida e aprofundada, questionando, argumentando, reunindo dados e analisando fatos, servido por farta documentação nele inclusa ou citada.

Porto Político, um livro do historiador José Joffily que vale a pena ler.

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  1. Ótimas colocações, que uma parcela de minha vivência pessoense permite ratificar.
    Por outro lado, dada a minha ligação com lides do mar, fico de pé atrás, com diz o linguajar do povo, com essa proposta de um porto de águas profundas, pois, pelo que sei, o fundo que acolha um calado superior a 10m, naquela área, está razoavelmente afastado da costa e demandará obras custosas e se constituirá em grave ameaça ao ambiente marítimo da região.
    Acabará se tornando um novo Porto do Sanhauá!

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